A indústria de videogames, um colosso de entretenimento e inovação, tem navegado por águas turbulentas nos últimos tempos. Demissões em massa, projetos cancelados e o temor crescente da inteligência artificial pintam um cenário de incerteza e volatilidade. No entanto, em meio a essa maré agitada, uma pequena embarcação navega com notável estabilidade e sucesso: a Supergiant Games. Conhecida pelo aclamado Hades e agora por sua aguardada sequência, Hades 2, a desenvolvedora se tornou um farol de um modelo de negócios diferente, provando que o sucesso não exige sempre o gigantismo desenfreado.
O Furacão da Indústria: Um Cenário de Contraste
O ano tem sido particularmente brutal para gigantes e pequenos estúdios. Anúncios de milhares de demissões tornaram-se uma rotina preocupante, deixando profissionais talentosos à deriva e a comunidade gamer apreensiva. A busca desenfreada por crescimento e expansão durante a pandemia de COVID-19, quando os jogos digitais eram um refúgio e o setor prosperava, resultou em inchaços de equipe que agora são corrigidos com cortes drásticos. Em paralelo, a sombra da inteligência artificial paira sobre a criatividade humana, adicionando uma camada extra de ansiedade ao futuro da criação de jogos.
É um panorama que questiona a sustentabilidade do modelo de “crescimento a todo custo”, onde a visão de longo prazo e a estabilidade da equipe muitas vezes são sacrificadas em nome de retornos trimestrais ou avaliações de mercado. Muitos estúdios que buscaram escalar rapidamente estão agora enfrentando a dura realidade de “reajustar” seus quadros, um eufemismo que mal disfarça a angústia de milhares de famílias.
O “Segredo” da Supergiant: Modéstia e Coesão
Mas então, o que a Supergiant Games faz de tão diferente? Fundada em 2009 com apenas sete pessoas – e notavelmente, todos os sete membros originais permanecem na empresa até hoje – a equipe cresceu para um modesto grupo de 25. O mais impressionante? Nunca houve uma grande onda de demissões, e a empresa opera sem financiamento externo. Essa autonomia é rara em um setor cada vez mais dominado por grandes conglomerados e investidores sedentos por rápido retorno.
O diretor criativo, Greg Kasavin, ex-editor executivo da GameSpot, insiste que não há uma “explicação mágica” para a resiliência da Supergiant. Contudo, sua teoria é bastante clara: a Supergiant prioriza a modéstia em vez da busca incessante por um crescimento massivo. Em suas palavras:
“Eu atribuo [nosso sucesso] ao valor que damos a nos manter unidos como equipe, a manter nossas ambições relativamente modestas. Não temos a ambição de crescer apenas por crescer.”
Essa filosofia é o alicerce de sua estabilidade. Ao invés de perseguir o “próximo bilhão”, eles focam em criar jogos que amam, com uma equipe que confia e valoriza. Os fundadores, Amir Rao e Gavin Simon, ambos ex-funcionários da Electronic Arts, claramente aprenderam valiosas lições sobre o que não fazer em um ambiente de desenvolvimento de jogos.
Um Caminho Menos Percorrido: Qualidade Acima de Quantidade
A abordagem da Supergiant contrasta diretamente com a de muitas outras empresas do setor. Enquanto grandes corporações escalaram equipes exponencialmente para capitalizar o boom pós-pandemia, apenas para “reajustar” seus quadros agora, a Supergiant manteve um ritmo constante e cuidadoso. É quase irônico: enquanto o mercado busca o “próximo grande sucesso” através de investimentos bilionários e estruturas corporativas complexas, a Supergiant, de forma discreta e autônoma, entrega consistentemente títulos de altíssima qualidade.
De Bastion a Transistor, Pyre, Hades e, mais recentemente, Hades 2, a trajetória da Supergiant é um testamento à visão de que a paixão e a coesão da equipe podem superar a pressão por metas de crescimento agressivas. Eles não lançam jogos anualmente, mas cada título que chega ao mercado é polido, inovador e profundamente envolvente.
Hades 2 e o Futuro: O Que Vem Depois?
Hades 2, que levou cerca de 4,5 anos para ser desenvolvido, já está recebendo aclamação da crítica. A GameSpot, por exemplo, concedeu ao jogo uma pontuação perfeita de 10/10, descrevendo-o como “essencial de se experimentar”, provando o valor de uma abordagem paciente e focada. É o primeiro jogo da Supergiant a receber uma sequência, e a resposta positiva sugere que os fãs certamente estariam abertos a um terceiro capítulo.
E quanto ao futuro? Kasavin não revela segredos sobre o próximo projeto, mas enfatiza que a escolha virá de um consenso da equipe sobre “aquilo que nos deixará mais empolgados”. Ele ressalta a importância de cada projeto:
“Não nos restam 30 jogos, ou algo assim. Apenas tentamos fazer com que cada um valha a pena e aprender com a experiência a cada vez para seguir em frente e tentar de novo – isso é bom o suficiente para mim.”
É uma perspectiva que prioriza a arte, a paixão e o aprendizado em um mundo que muitas vezes supervaloriza apenas o lucro e a escala, oferecendo um antídoto à “fadiga de franquia” que assola tantos jogadores.
Uma Lição para a Indústria
A história da Supergiant Games não é apenas sobre o sucesso de um estúdio. É uma narrativa poderosa sobre resiliência, visão e a coragem de trilhar um caminho menos percorrido. Em uma indústria dominada por fusões, aquisições e a pressão implacável por retornos astronômicos, a Supergiant nos lembra que é possível construir algo duradouro, significativo e, acima de tudo, humano.
O “segredo” talvez seja, afinal, não ter um segredo, mas sim uma bússola interna que aponta para a qualidade, a estabilidade da equipe e a paixão genuína por criar jogos memoráveis. Um modelo, talvez, que muitos deveriam considerar seguir para garantir um futuro mais sustentável e humano para a indústria de videogames.