O desenvolvimento de videogames é, muitas vezes, uma caixa de surpresas. O que começa como uma ideia brilhante pode se transformar em um pesadelo logístico, financeiro e, acima de tudo, criativo. Poucos jogos exemplificam essa montanha-russa tão bem quanto Dead Island 2. Demorou nove anos para finalmente ver a luz do dia, trocando de estúdio mais vezes do que se troca de camisa em um verão carioca. Mas, por trás dessa longa espera, reside uma história de decisões difíceis e uma recusa em lançar algo que, nas palavras de um ex-executivo, “era terrível”.
A Revelação de 2014 e o Despertar da Realidade
Lá em 2014, durante a E3 da Sony, um trailer de Dead Island 2 fez barulho. Um corredor de praia, com seu ritmo matinal, virava zumbi em meio a uma Los Angeles apocalíptica e ensolarada. A equipe da Deep Silver, editora do jogo, sentiu-se orgulhosa do material promocional. Mal sabiam eles que, nos bastidores, o produto real estava a milhas de distância daquela perfeição visual. Martin Wein, então chefe de comunicação da Deep Silver e hoje consultor na GameFlex Consultants, revelou em um painel que, um mês após o trailer, o primeiro marco de desenvolvimento com o estúdio responsável na época (a Yager Development, famosa por Spec Ops: The Line) foi um choque de realidade: “Aquele jogo era terrível”, disparou Wein.
O Pesadelo da Qualidade: “Nada a Ver” com a Diversão Original
Para um executivo de comunicação, admitir publicamente que a versão de um jogo tão esperado era um desastre é, no mínimo, um ato de coragem ou desespero, dependendo do ângulo. Wein foi franco: o Dead Island 2 de 2014 não capturava a essência do que tornava o Dead Island original divertido. Os testes de jogo resultaram em um feedback horrível. A Yager prometeu consertar, mas, segundo Wein, isso não aconteceu. Não é surpresa, então, que em 2015 a Yager tenha sido afastada do projeto, iniciando uma maratona de estafetas de desenvolvimento.
Após a Yager, a tocha (ou seria o facão de matar zumbis?) passou para a Sumo Digital, e finalmente, a Dambuster Studios assumiu a responsabilidade de dar vida ao que parecia ser um jogo amaldiçoado. Cada transição significava mais atrasos, mais custos e, para o público, uma espera que parecia interminável.
A Decisão Crucial: Qualidade Acima do Lucro Imediato
A lição mais valiosa dessa saga é a que Wein deixou clara: “Às vezes, você tem que tomar decisões difíceis”. Ele argumentou que a Deep Silver poderia ter lançado “um jogo de merda” em 2014 ou 2015. Provavelmente teria feito algum dinheiro, mas, nas palavras dele, “teria matado a franquia”. A Koch Media, empresa-mãe da Deep Silver, ecoou essa mesma visão em 2019, defendendo que o longo desenvolvimento era, na verdade, uma coisa boa.
Imagine o cenário: um jogo mal-acabado, lançado às pressas, manchando o nome de uma franquia que tinha seu nicho de fãs. O prejuízo a longo prazo, em termos de reputação e vendas futuras, seria muito maior do que qualquer ganho rápido. É um raro exemplo na indústria onde a paciência e o compromisso com a qualidade se sobrepõem à pressão do mercado e aos prazos apertados.
O Triunfo de 2023: A Espera Compensa
Nove anos depois do anúncio bombástico e das revelações constrangedoras de bastidores, Dead Island 2 finalmente chegou às prateleiras e plataformas digitais em 2023. E, para a surpresa de muitos céticos, o jogo foi um sucesso, vendendo mais de 3 milhões de cópias. A versão final entregue pela Dambuster Studios conseguiu, de fato, resgatar a essência da diversão do original, adicionando polimento e aprimoramentos dignos da nova geração.
A história de Dead Island 2 é um lembrete fascinante de que, no mundo dos games, a jornada é tão importante quanto o destino. E às vezes, para entregar um produto realmente bom, é preciso reconhecer que o que se tem em mãos “é terrível” e ter a coragem de começar de novo, mesmo que isso signifique uma espera de quase uma década. Os zumbis podem ser lentos, mas o desenvolvimento de um bom jogo, aparentemente, também pode ser. E, nesse caso, valeu cada ano.