Disco Elysium não foi apenas um jogo; foi um fenômeno cultural que redefiniu o gênero RPG. Mas o que acontece quando o gênio criativo por trás de tal obra se fragmenta? Prepare-se para desvendar um labirinto de novas estúdios, projetos ambiciosos e a luta para recriar aquela magia única.
A influência de Disco Elysium é inegável. Com sua narrativa profunda, personagens complexos e um sistema de RPG inovador, o jogo da ZA/UM capturou a imaginação de milhões. Era impensável que uma obra de tal magnitude não gerasse sucessores. Contudo, a história por trás desses “herdeiros” é tão intrincada quanto o próprio jogo, envolvendo mais do que apenas desenvolvimento de software. É uma saga de ambição, cisão e a busca incessante por uma visão artística.
A Gênese e a Queda da ZA/UM Original
Tudo começou com a ZA/UM, uma união estoniana formada em 2005 por Robert Kurvitz, o visionário por trás do jogo, e seus colaboradores mais próximos. Essa equipe, que por anos dedicou-se à criação de Disco Elysium, transformou-se em um estúdio independente em Londres em 2016, após securing funding. Em 2019, o jogo foi lançado, colecionando prêmios e reconhecimento internacional.
Mas a glória durou pouco. No final de 2021, Kurvitz, o diretor de arte Alexander Rostov e a escritora Helen Hindpere – os pilares criativos do projeto – deixaram a ZA/UM de forma abrupta, alegando que a decisão não fora deles. Posteriormente, veio à tona uma trama de aquisição fraudulenta por parte de Ilmar Kompus (CEO e investidor), que teria comprado o controle acionário da empresa usando o próprio dinheiro do estúdio. Kurvitz e sua equipe foram sumariamente demitidos, dando início a uma série de batalhas legais e uma reestruturação interna que deixou a ZA/UM com uma equipe significativamente alterada.
O resultado dessa turbulência? A formação de múltiplos novos estúdios por ex-membros da ZA/UM, cada um carregando a tocha de sua própria visão. Assim nasceram a Longdue, Dark Math Games, Summer Eternal, Red Info, e a própria ZA/UM, que, apesar das perdas, continuou seu caminho.
Os Heredeiros: Conheça os Projetos em Andamento
ZA/UM e “Zero Parades”
Curiosamente, a ZA/UM, agora sob nova direção, foi a primeira a anunciar um sucessor espiritual em estado avançado de desenvolvimento. Essa dianteira pode ser atribuída a vários fatores: a manutenção de recursos significativos e parte dos direitos de propriedade intelectual. Com Tõnis Haavel, produtor executivo de Disco Elysium, ainda na equipe, e uma gestão mais orientada a negócios sob Edward Tomaszewski (presidente da ZA/UM desde novembro de 2022), a estrutura tornou-se mais focada em resultados. Menos anarquia criativa, talvez, mas mais controle.
- Quem permaneceu: Justin Keenan (escritor e designer narrativo), Kaspar “Kasparov” Tamsalu (diretor de arte), Tõnis Haavel (produtor), Eduardo Rubio (animador), Anton Vill (diretor de arte), Siim “Cosmos” Sinamäe (escritor ocasional).
- Previsão de Lançamento: 2026.
O que sabemos sobre Zero Parades? A protagonista é Hershel Wilk, uma espiã cujo toque transforma tudo em cinzas. Marcada por um fracasso de cinco anos atrás, ela recebe uma nova e misteriosa missão, a chance de redenção. A premissa evoca a vibe de séries de espionagem com agentes em busca de provar seu valor. Visual e mecanicamente, o jogo parece manter a essência de Disco Elysium: perspectiva isométrica, testes de habilidade e uma estética similar. A principal diferença reside num sistema de “pressão” que afeta o estado físico e psicológico da heroína, prometendo escolhas com consequências mais profundas e até “penalidades” por ações que contradizem a ideologia da personagem. Uma mecânica que, esperançosamente, adicionará camadas de complexidade em vez de frustração.
Dark Math Games e “Tangerine Antarctic”
Formada por Timo Albert (designer de movimento em Disco Elysium) e Kaur Kender (ex-investidor da ZA/UM), a Dark Math Games é um estúdio menor, mas com cerca de metade de sua equipe composta por veteranos da ZA/UM. Originalmente, seu projeto evocava Disco Elysium em um cenário de ficção científica.
- Quem migrou: Timo Albert (gráficos, diretor de arte), Kaur Kender (produtor executivo e investidor).
- Previsão de Lançamento: Não anunciada.
Ambientado em 2086, em um resort de esqui na Antártica, o jogo coloca o jogador no papel de um patrulheiro investigando um crime com um parceiro. A descrição sugere uma trama detetivesca não linear com escolhas morais ambíguas: “revelando assassinatos horríveis, despedaçando corações sagrados ou simplesmente matando o tempo”. Recentemente, o jogo passou por uma mudança significativa: de “Night Corp” para Tangerine Antarctic (nome do hotel onde a ação se desenrola) e, mais notavelmente, a perspectiva isométrica foi trocada por uma câmera em terceira pessoa. Os desenvolvedores, no entanto, prometem a mesma profundidade narrativa e um sistema de RPG único, além de “muito mais diversão” do que a melancólica história de Harry Du Bois. Um otimismo que, esperamos, se traduza em jogabilidade.
Longdue e Seu RPG de Jornalista
Longdue é um estúdio fundado por Riaz Moola, uma figura notável no cenário tecnológico. Sua equipe inclui Martin Luiga (roteirista e criador de personagens de Disco Elysium) e Piotr Sobolevski (mecânicas de gameplay). A empresa também conta com talentos como Paweł Błaszczak (compositor de The Witcher 3) e Lenval Brown (a voz de Martin de Disco Elysium), além de Ben Babbitt de Kentucky Route Zero. O projeto é financiado por plataformas de crowdfunding como Kickstarter e IndieGoGo.
- Quem migrou: Argo Tuulik (temporariamente), Martin Luiga (roteirista, criador de personagens), Piotr Sobolevski (mecânicas de gameplay).
- Previsão de Lançamento: 2028.
O que esperar? Um RPG isométrico com uma trama rica, diálogos ramificados e um mundo imprevisível. O jogador assume o papel de um “jornalista desajustado – um provocador caótico e autodestrutivo que desvenda verdades ocultas, expõe sistemas frágeis e quebra o mundo”. A promessa é de um “CRPG psicogeográfico”, onde o ambiente se adapta e muda com base nas escolhas do jogador. Uma ideia intrigante que pode levar a um nível sem precedentes de imersão e reatividade do mundo.
Summer Eternal: A Busca pela Utopia Cooperativa
Fundado por Argo Tuulik, ex-roteirista de Disco Elysium, a Summer Eternal é mais do que um estúdio de jogos; é um manifesto. Com uma estrutura cooperativa em parceria com o Instituto para a Democracia Econômica na Eslovênia, o lema é “cada trabalhador é um membro do conselho de administração”. Embora a ideia de uma estrutura horizontal seja fascinante, na prática, a Summer Eternal Ltd, registrada em Londres, pertence exclusivamente a Tuulik.
- Quem migrou: Argo Tuulik, Martin Luiga (temporariamente), Dora Kljindzic (roteirista), Olga Moskvina (escritora), Anastasia Ivanova (ex-artista conceitual sênior na ZA/UM), Michael Oswell (ex-designer gráfico na ZA/UM).
- Previsão de Lançamento: Ausente.
Devido a uma disputa legal com a Longdue, Tuulik esteve sob uma proibição de desenvolvimento até abril de 2025. Isso significa que a Summer Eternal só agora está começando a operar ativamente. Portanto, não espere um lançamento em breve, mas prepare-se para novidades sobre um projeto que busca não apenas um novo jogo, mas um novo modelo de desenvolvimento.
Red Info: O Retorno Silencioso dos Criadores Originais
Em março de 2025, a notícia que muitos esperavam finalmente veio à tona: Robert Kurvitz, Helen Hindpere e Alexander Rostov fundaram a Red Info. Após a amarga saída da ZA/UM e a perda dos direitos intelectuais do universo de Disco Elysium, o trio, junto com a investidora chinesa NetEase, se uniu para uma nova empreitada. Esta é, talvez, a formação mais “autêntica” dos criadores originais.
- Quem migrou: Robert Kurvitz (autor), Alexander Rostov (artista), Helen Hindpere (autora principal), Martin Luiga (temporariamente, depois para Longdue).
- Previsão de Lançamento: Ausente.
Oficialmente, muito pouco se sabe sobre os planos da Red Info. A informação ainda reside mais no campo dos rumores do que de anúncios concretos. Nenhum dos membros do estúdio concedeu entrevistas sobre futuros projetos. Será que eles tentarão recriar a atmosfera de Disco Elysium em um novo universo, ou se aventurarão por caminhos completamente diferentes? A expectativa é alta, e o silêncio, nesse caso, só alimenta a curiosidade.
O Futuro Pós-Elysium: Uma Dança de Ambições
O legado de Disco Elysium, longe de ser um rio único e caudaloso, dividiu-se em múltiplos córregos, cada um buscando seu próprio caminho para o oceano da inovação. Cada estúdio, com sua própria equipe e visão, enfrenta o desafio de capturar parte daquela magia original, ou de forjar algo inteiramente novo. A ironia é que a mesma obra que uniu tantos talentos, acabou por dividi-los, gerando uma complexa tapeçaria de narrativas de desenvolvimento. Resta aos jogadores acompanhar essa saga e ver qual desses caminhos nos levará à próxima obra-prima.