No dinâmico e muitas vezes nebuloso universo das plataformas de streaming, a busca por números de audiência é uma corrida implacável. No entanto, o que acontece quando uma parcela considerável desses espectadores não é composta por seres humanos de carne e osso, mas por códigos e algoritmos? A pergunta, que paira há tempos no ar, ganhou uma resposta surpreendentemente direta de uma das plataformas em ascensão.
Ed Craven, o líder por trás da Kick, uma plataforma que tem desafiado o reinado da Twitch, recentemente abriu o jogo sobre a presença de “espectadores digitais” em sua base de usuários. Durante uma conversa com o streamer Devin Nash, o tema inevitável dos bots de visualização veio à tona. Nash, que também atua como diretor de marketing para a agência Novo.TV, trouxe à baila um dado instigante: segundo ele, no Twitch, a gigante da Amazon, entre 30% e 40% da audiência online dos maiores criadores de conteúdo já seria artificial. Para a Kick, a estimativa do streamer era ainda mais alarmante, chegando a 70% ou 80% de visualizações fraudulentas.
A resposta de Craven foi um misto de franqueza e ressalva. Ele não negou a existência de uma parcela significativa de bots, admitindo que, sim, uma fatia considerável do público da Kick é, de fato, composta por entidades não-humanas. Contudo, o CEO da Kick fez questão de contestar os números estratosféricos apresentados por Nash. Para Craven, a realidade estaria mais alinhada com os patamares da própria Twitch, sugerindo que a proporção de bots em sua plataforma é “aproximadamente a mesma” da concorrente, evitando, habilmente, revelar porcentagens exatas. Uma dança delicada com a verdade que, de certa forma, confirma a suspeita geral.
A Batalha Invisível por Credibilidade
Esta confissão, ainda que velada, lança uma luz sobre a complexidade da “guerra” do streaming. Não se trata apenas de horas assistidas ou de número de criadores, mas da própria autenticidade da audiência. O que significa ter milhões de visualizações se grande parte delas não representa um engajamento real? Para os criadores de conteúdo, essa distorção pode inflar métricas e, em tese, atrair mais parceiros e publicidade. No entanto, para os anunciantes, é um pesadelo: investir em uma audiência que não existe na prática é, no mínimo, ineficiente.
Enquanto a Twitch tem intensificado seus esforços para combater a praga dos bots, a Kick se vê na posição de uma desafiante que precisa equilibrar crescimento e credibilidade. Curiosamente, a Kick tem demonstrado um avanço notável, encurtando a distância para a Twitch em termos de horas assistidas. Paralelamente, a plataforma da Amazon vem registrando perdas de audiência pelo terceiro trimestre consecutivo, apesar de ainda se manter como líder em popularidade. Esse cenário sugere que, embora a Twitch esteja no topo, ela não está imune aos desafios internos e externos, incluindo, aparentemente, a proliferação de contas falsas.
O Futuro dos Números e da Confiança
A admissão do CEO da Kick pode ser vista como um passo para a transparência ou como uma tática para normalizar a questão dos bots em todo o setor. De qualquer forma, sublinha um ponto crucial: a paisagem digital é um terreno fértil para a ilusão. Enquanto as plataformas competem por uma fatia maior do mercado de streaming, a verdadeira batalha pode estar sendo travada nos bastidores, pela integridade dos números e pela confiança de criadores, anunciantes e, claro, dos espectadores reais.
Será que, em um futuro próximo, teremos auditorias de audiência com a mesma rigidez que se aplicam aos relatórios financeiros? Ou continuaremos a viver em um mundo onde uma parte da “popularidade” é construída por máquinas silenciosas, assistindo a algo que sequer entendem?
