‘And Roger’: Quando a Inacessibilidade Deliberada Aprimora a Profundidade Narrativa dos Videogames

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No vasto universo dos videogames, a busca pela acessibilidade tem sido uma bandeira cada vez mais relevante. Desenvolvedores e críticos clamam por opções que permitam a todos, independentemente de suas capacidades físicas ou cognitivas, desfrutar plenamente das experiências interativas. Controles customizáveis, modos de dificuldade ajustáveis e legendas detalhadas são apenas alguns exemplos de avanços que celebramos. Mas e se um jogo, em um movimento surpreendente e quase paradoxal, utilizasse a inacessibilidade como uma ferramenta narrativa poderosa? É exatamente isso que “And Roger” se propõe a fazer, e o resultado é, no mínimo, fascinante.

Um Olhar Íntimo Sobre a Demência Através da Interação

“And Roger”, uma visual novel desenvolvida pelo TearyHand Studio, mergulha na dolorosa realidade da demência. O jogo segue a história de Sofia, que progressivamente perde sua identidade e memórias, e seu marido, Roger, que a acompanha nessa jornada. Em vez de simplesmente contar a história, “And Roger” opta por fazer o jogador sentir a experiência da protagonista de uma maneira visceral, usando para isso um design de jogo deliberadamente desafiador.

A narrativa é construída em torno de Eventos de Tempo Rápido (QTEs) que, à primeira vista, parecem ineficientes ou mal projetados. No entanto, é precisamente nessa “falha” de design que reside a genialidade do jogo. Tais QTEs, muitas vezes frustrantes e fisicamente exaustivos para o jogador, simulam as dificuldades diárias de Sofia. A simples tarefa de se levantar da cama, escovar os dentes ou resistir a uma ação indesejada se transforma em um teste de persistência e, por vezes, em uma batalha perdida.

Sofia escova os dentes sonolentamente em And Roger.
Sofia, em um dos muitos desafios diários, luta para realizar tarefas simples.

A Dor da Luta Translada para o Controle do Jogador

Imagine a frustração de tentar girar um botão repetidamente para mexer uma sopa e sentir seus dedos e pulso exaustos, falhando constantemente. É uma experiência que desafia a lógica da diversão esperada em um videogame. Contudo, essa exaustão física e mental no jogador é uma representação direta da batalha interna de Sofia. O cansaço, a confusão e a perda de controle que ela sente são transmitidos sem a necessidade de diálogos longos ou descrições detalhadas. É a ação, a dificuldade de realizar algo trivial, que comunica a essência da doença.

“Nenhum tutorial poderia me preparar para a sensação de impotência que os QTEs de `And Roger` me impuseram. E é exatamente essa impotência que me conectou profundamente com Sofia.”

A ironia aqui é sutil, mas potente: um jogo que, por design, seria criticado por sua falta de acessibilidade, torna-se uma obra-prima de empatia justamente por isso. Para críticos e jogadores acostumados a defender a inclusão, “And Roger” força uma reavaliação de preceitos. A inacessibilidade, neste contexto específico, não é uma falha, mas uma escolha artística deliberada que amplifica a mensagem.

Repensando o Conceito de Acessibilidade no Design de Jogos

É importante ressaltar que “And Roger” não advoga por uma regressão na acessibilidade dos jogos em geral. Longe disso. Ele serve, no entanto, como um estudo de caso provocador: quando é aceitável, ou até mesmo desejável, que um jogo seja difícil ou “inacessível” para cumprir sua visão artística? A resposta não é simples, mas o jogo de TearyHand Studio demonstra que, em raras ocasiões, a fricção entre o jogador e o controle pode ser um canal poderoso para a emoção.

A experiência de “And Roger” vai além do entretenimento; é um mergulho em uma realidade complexa, mediado por uma interface que se recusa a ser fácil. Ele nos convida a sentir, ainda que brevemente, o peso da demência, a luta constante contra o próprio corpo e mente. E, ao fazer isso, o jogo não apenas narra uma história; ele a transforma em uma vivência, deixando uma marca duradoura sobre a fragilidade da memória e a importância de cada momento.

Ao final, “And Roger” nos lembra que a arte, em suas diversas formas, nem sempre busca o conforto. Às vezes, ela nos desafia, nos frustra e nos exige mais, justamente para que possamos compreender e valorizar o que antes passaria despercebido. E, nesse aspecto, a inacessibilidade se revela, de forma surpreendente, um caminho para uma compreensão mais profunda.

Lucas Meireles

Lucas Meireles, 26 anos, atua como jornalista especializado em eSports no Recife. Focado principalmente na cobertura de Free Fire e Mobile Legends, ele se destaca por suas análises táticas e entrevistas com jogadores emergentes. Começou sua carreira em um blog pessoal e hoje é reconhecido por sua cobertura detalhada de torneios mobile.

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