O fervor em torno das adaptações de videogames para o cinema e a televisão nunca esteve tão em alta. Parece que, finalmente, Hollywood acordou para o vasto universo narrativo e o exército de fãs leais que os jogos oferecem. Contudo, em meio a essa corrida por sucessos nas telonas e telinhas, uma voz importante, e talvez um tanto irônica, surge para questionar: e os atores que dão vida a esses personagens tão amados? Estariam eles sendo negligenciados?
A dúvida, ou melhor, a constatação, vem de Aliona Baranova, diretora de performance e voz da adorável esquila Corinna em Baldur`s Gate 3, o aclamado RPG da Larian Studios. Em uma recente participação na FanX Tampa Bay Comic Convention, Baranova não hesitou em apontar o que considera uma “vergonha”: o público dos videogames e, por extensão, os talentos que o servem, estarem sendo `deixados de lado` pelos cineastas e estúdios.
A Conexão Inegável: Fãs e Seus Heróis Virtuais
Baranova ressaltou a dedicação quase religiosa dos fãs de videogames, algo que ela vivencia na pele. “Vemos o quão dedicados vocês são…”, afirmou, e essa devoção se manifesta de maneiras surpreendentes. Ela citou um drama médico britânico em que atuou, Maternal. Mesmo sendo uma produção menor, suas cenas foram traduzidas e viralizaram em plataformas chinesas, acumulando milhares de visualizações. Um sinal claro de que os fãs, quando querem, movem montanhas – ou, neste caso, legendas e cliques.
Outro exemplo tocante envolveu Jennifer English, a voz da icônica Shadowheart em Baldur`s Gate 3. Jennifer, que lançou um curta-metragem no British Film Institute, viu sessenta fãs viajarem de última hora para comparecer à estreia e demonstrar seu apoio. Esse tipo de engajamento é um testamento da profunda conexão emocional que os jogadores estabelecem com os atores por trás de seus personagens favoritos, uma lealdade que transcende a tela do jogo.
Hollywood, em Sua Infinita Sabedoria…
É precisamente por essa lealdade que Baranova expressa sua frustração. Por que, então, Hollywood parece ignorar um ativo tão valioso? A pergunta ecoa em casos notórios, como o de Ashley Johnson, a voz original de Ellie em The Last of Us. Quando o episódio da série live-action de The Last of Us em que ela fez uma participação (interpretando a mãe de Ellie, em um papel diferente do seu original no jogo) foi ao ar, Ashley Johnson se tornou a pessoa mais pesquisada no IMDb. “Por que isso não acontece mais?”, questiona Baranova, com uma ponta de ironia sobre a miopia da indústria.
O mesmo questionamento se aplica a Doug Cockle, a inconfundível voz de Geralt de Rivia nos jogos de The Witcher. Embora a série da Netflix seja uma adaptação direta dos livros e não dos jogos, é inegável que o sucesso estrondoso da franquia nos videogames pavimentou o caminho para a sua popularidade global. Mesmo assim, Cockle não foi sequer considerado para um papel na produção. Baranova ampliou o apelo, pedindo que esses atores sejam considerados não apenas para adaptações live-action, mas também para animações, citando como exemplo o aclamado Arcane, baseado no universo de League of Legends.
“É uma vergonha que isso esteja sendo ignorado. Está sendo `dormido` em cima.”
O Potencial Inexplorado: Mais do Que Apenas Voz
O argumento de Baranova vai além da mera questão de oportunidade. Atores de videogame não são apenas “dubladores”; eles são performers que, em muitos casos, passam anos em estúdios de captura de movimento, desenvolvendo a fisicalidade e a profundidade emocional de seus personagens em um ambiente único e desafiador. Eles compreendem a essência do personagem de dentro para fora, muitas vezes contribuindo ativamente para sua construção.
Ignorar esse reservatório de talento e essa conexão preexistente com uma base de fãs ávida é, no mínimo, uma oportunidade perdida para Hollywood. Em vez de buscar rostos famosos que podem não ter a mesma ressonância com o material original, por que não aproveitar aqueles que já são a personificação do espírito do jogo? Parece uma fórmula para o sucesso que está sendo, de fato, “dormida” — uma verdadeira soneca estratégica em um momento em que a concorrência por atenção é mais acirrada do que nunca.
Ainda há tempo para Hollywood acordar e perceber que, por trás de cada herói digital, há um ator com uma base de fãs dedicada e um talento que pode (e deveria) ser explorado nas tão aguardadas adaptações. Afinal, quem melhor para trazer um personagem à vida na tela do que aquele que já o fez por centenas de horas em mundos virtuais?