No vasto universo da cultura pop, a tentação de rotular obras como “obras-primas” ou “lixo” é quase irresistível. Em um cenário onde rótulos de “difícil”, “social” e “não é para todos” são distribuídos com generosidade, “Takopi no Genzai” (Takopi`s Original Sin) rapidamente conquistou um lugar de destaque. Como ousar questionar uma história que aborda a dolorosa realidade da violência infantil? Pois bem, é exatamente isso que faremos hoje, com uma boa dose de análise técnica e uma pitada de… bem, talvez ironia.
A Premissa Inocente e o Mergulho no Abismo Humano
A história nos apresenta a Takopi, um alienígena do planeta Happy, cuja missão é espalhar felicidade. O problema? Ele não entende absolutamente nada do comportamento humano. Para seu infortúnio, ele aterrissa no meio de um turbilhão de violência infantil, envolvendo-se com Shizuka, uma garota cruelmente intimidada na escola. Para Takopi, tudo é um jogo, um novo mundo a ser explorado. Essa desconexão é o motor narrativo principal: enquanto Shizuka é arrastada para situações de tormento, Takopi interpreta tudo como um sinal de amizade. Do ponto de vista cênico, essa dualidade serve para intensificar o sofrimento de Shizuka, expondo o contraste entre a percepção alienígena e a dura realidade humana. Contudo, e aqui reside o cerne da questão, é só isso que a série oferece.
Quando a Brutalidade Substitui a Complexidade
O que nos é entregue é uma sequência de situações-limite, onde pais desestruturados maltratam seus filhos, perpetuando um ciclo de marginalização. As crianças tornam-se o elo final dessa corrente, sofrendo agressões físicas e traumas que podem durar a vida toda. “Takopi no Genzai” propõe-se a expor a crueldade dessa espiral de violência, mas parece não ter outras ambições globais. Sim, crianças vítimas geram compaixão. Mas construir toda uma narrativa apenas sobre isso, sem camadas adicionais, é um caminho, no mínimo, problemático.
A narrativa é unidimensional. Desde o início, a intenção é clara: cada reviravolta será mais chocante que a anterior. Não há nuances, meios-tons, ou complexidade. A obra se torna previsível em sua busca incessante pelo extremismo. A mensagem? “Não bata em crianças, não desconte seus problemas nelas, seja mais gentil e empático.” Uma conclusão, diga-se de passagem, magnificamente sublinhada por uma resolução onde um molusco cor-de-rosa resolve os problemas dos adolescentes com um toque de mágica. Sem mágica, então, não há solução?
A Falsa Dichotomia entre Bem e Mal
Defensores da obra frequentemente citam a suposta complexidade na representação do “bem” e do “mal”, onde o esforço para fazer o bem pode, às vezes, piorar as coisas, ressaltando a intrincada natureza das interações humanas. No entanto, sejamos francos: todos os personagens aqui são desequilibrados. Uma pessoa com comportamento desviante reage de forma inadequada a pedidos simples, e é por isso que crianças inocentes sofrem injustamente.
Não se trata de uma análise das dificuldades cotidianas, mas de uma demonstração exacerbada de conflitos levados ao limite. Que tipo de situação leva uma mãe a tentar esfaquear a própria filha? O que leva um pai a tiranizar o filho pequeno a ponto de ele se tornar cúmplice de um assassinato para competir com o irmão? Sem dúvida, tais personagens existem. Mas a série falha em nos guiar ou sugerir o que fazer diante de tais realidades.
O Que É “Social” Afinal?
Frequentemente, as pessoas caem em armadilhas de circunstâncias apenas pelo direito de nascer. Às vezes, não há ajuda, milagres não acontecem, e a vida termina de forma inglória, um grito de flagrante injustiça. “Takopi no Genzai” mostra essas situações, mas o que isso tem a ver com um “comentário social” profundo?
Comentário social refere-se às condições de vida específicas que afetam o desenvolvimento das pessoas de maneiras particulares. Uma criança criada de certa forma, alguém que desenvolve um complexo incomum, o conflito entre indivíduos de diferentes estratos sociais. Nesse sentido, a demonstração de problemas sociais exige sutileza para não se transformar em uma vulgaridade óbvia. Para isso, seria mais produtivo assistir a noticiários criminais do que mergulhar em obras que se pretendem existenciais.
Nesse aspecto, a história de Azuma se destaca: o garoto, de fato, criou mais problemas para si mesmo do que realmente tinha. Mas a capacidade de se afundar em tal desespero apenas por meio de seus próprios pensamentos é notável. No entanto, sua história é apenas mais uma peça no mosaico de “sofrimento” da série. Uma série excessivamente direta para almejar os louros de uma obra de arte social.
Todos os eventos aqui são uma exploração marginal e sensacionalista. A meu ver, envolver um polvo cor-de-rosa desorientado em tudo isso é até um tanto cínico, pois para as verdadeiras vítimas em tais circunstâncias, nenhum alienígena mágico surgirá para unir agressores e vítimas, ou inspirar alguém ao desenvolvimento pessoal. A mensagem “Aguardem, sejam gentis e a felicidade chegará à sua rua” soa mais como um escárnio do que uma conclusão pensativa.
A Exploração do Sofrimento e a Falta de Respeito
É comum encontrar histórias aterradoras de vidas humanas, onde a superação é o único recurso. Mas essa exploração bruta do sofrimento humano leva apenas à sua desvalorização. Descrever a monstruosidade da natureza humana em categorias tão primitivas e hiperbolizadas é simplificar uma realidade que, dada a delicadeza do tema, não tolera tal abordagem.
Existem animes que demonstram problemas semelhantes de forma muito mais delicada, sem precisar dedicar toda a obra a isso. Pense, por exemplo, em cenas secundárias em obras como “Ninja Reincarnation”, onde a pequena Junna esconde seus hematomas, gabando-se de que toma café da manhã com ostras (o que não é verdade), enquanto seu padrasto desenvolve um sistema de punições que a paralisa, tornando-a incapaz de seguir suas ordens e sofrendo novas lesões. Mesmo nessa atmosfera tirânica, ela tenta salvar o padrasto, chamando-o de “papai”, quando ele está em perigo.
O desejo de amor parental em uma criança, inconscientemente projetado sobre o agressor, é uma profundidade de “toca de coelho” que pôde ser mostrada em poucas cenas laterais, sem um único golpe explícito. Será que, para nos conectarmos com esses problemas, é preciso que alguém mais fraco apanhe mais na tela? Não defendo um idealismo refinado ou a “limpeza” do quadro de qualquer “sujeira”, mas fazer disso o propósito único é apenas explorar um tema sensível.
Veredito Final: Espetáculo ou Crítica Genuína?
“Takopi no Genzai” surge como um espetáculo na parada do drama social, uma obra que toca as cordas da alma de seus espectadores da maneira mais vulgar. “Vocês ainda não sentiram pena das crianças? E se batermos mais forte aqui? A garota não tem nada, até o cachorro foi tirado, olhem!” É o tipo de situação em que a conexão com a situação pode ser sentida no meio do caminho, sem precisar chegar ao extremo, mas o objetivo da série parece ser justamente o extremo.
É uma obra específica para um público ávido por sofrimento? Sim. Um dos melhores animes do ano, com notas beirando o “nove” em plataformas especializadas? Definitivamente não. A obra tem, sem dúvida, aspectos notáveis: o estilo visual, a direção de arte e a dinâmica narrativa são de fato excelentes, sublinhando sua proposta. Do ponto de vista artístico, é um anime de alto nível. Mas quando tudo isso é posto a serviço de um drama chocante, que tenta impactar o espectador com violência demonstrativa, grandes questionamentos surgem sobre a sua verdadeira validade.