A inteligência artificial (IA) é, sem dúvida, a palavra do momento. Em cada esquina da tecnologia, ouvimos falar de seu potencial transformador. No universo dos videogames, essa conversa não é diferente, mas ganha contornos mais delicados. Afinal, estamos falando de arte, criatividade e narrativas imersivas. É nesse palco que Phil Rogers, CEO do Embracer Group, uma das maiores e mais diversificadas holdings de jogos do mundo, se posiciona de forma estratégica e, arrisco dizer, bastante sensata.
A Visão da Embracer: IA como Aliada, Não Substituta
Durante um encontro com investidores, Rogers foi categórico: a IA é a “ferramenta tecnológica mais poderosa da nossa geração”. No entanto, sua abordagem não é um cheque em branco para a automação desenfreada. Longe disso. Ele defende um uso estratégico e consciente. A grande sacada? Ninguém está pedindo por isso, e ele sabe: “Os jogadores não anseiam por missões secundárias genéricas e sem alma ou vozes sintéticas de IA.”
Aqui reside o cerne da questão. A promessa da IA, para a Embracer, não é a de um atalho para a mediocridade, mas sim um trampolim para a excelência. Rogers acredita firmemente que a IA pode “impulsionar a eficiência e, em última instância, entregar os jogos de alta qualidade e memoráveis que nossos jogadores exigem.” Em outras palavras, a IA não veio para roubar a alma dos jogos, mas para liberar os criadores para infundir mais alma neles, livrando-os de tarefas repetitivas e burocráticas.
O Rigor Ético e a Transparência como Fundamentos
Ainda que entusiasmado, Rogers demonstra plena consciência das preocupações que a IA levanta entre jogadores e, especialmente, entre desenvolvedores. Ele aponta um risco maior do que a própria tecnologia: usar a IA “sem uma forte estrutura ética.” É como dar uma faca afiada a alguém sem instrução: a ferramenta é poderosa, mas o manuseio irresponsável pode ser desastroso.
A proteção dos criadores é um ponto inegociável. “Artistas, atores, escritores precisam de proteção contra plágio” que a IA pode inadvertidamente causar, afirmou. A Embracer promete que seus desenvolvedores “sempre terão o controle criativo final e a autoria.” Além disso, a transparência é mandatória. A empresa se compromete a ser clara com os jogadores sobre “como e onde usaremos IA em nosso processo de desenvolvimento.” Para garantir isso, a Embracer está estabelecendo uma “governança rigorosa” em torno da IA generativa, incluindo controles internos, registros de auditoria e aprovações de fluxo de trabalho. É a burocracia, sim, mas a burocracia necessária para evitar o caos criativo.
Ganhos Tangíveis: A IA na Prática da Embracer
A teoria é bonita, mas os resultados são ainda melhores. Rogers compartilhou exemplos concretos de como a Embracer já está colhendo os frutos da IA generativa. Um processo de captura de movimento que antes levava sete dias, agora é concluído pela metade do tempo. A tecnologia de IA da empresa permite que os desenvolvedores verifiquem códigos em busca de bugs em tempo real. E o que antes eram dias de trabalho para transformar arte 2D em um modelo 3D pronto para o jogo, agora se resolve em poucas horas. Isso não é ficção científica, é a otimização de recursos e tempo, permitindo que os talentos humanos se concentrem em aspectos mais complexos e criativos.
Um Coro de Vozes: A Indústria em Debate
O Embracer não está sozinho nesta jornada, nem em suas esperanças, nem em suas cautelas. A maioria dos desenvolvedores já utiliza alguma forma de IA, apesar das preocupações persistentes. Masahiro Sakurai, o gênio por trás de Smash Bros., por exemplo, sugeriu que o desenvolvimento AAA está se tornando insustentável e a IA pode ser um caminho. Daniel Vavra, diretor de Kingdom Come, vê com bons olhos uma “revolução da IA” para tornar a criação de jogos mais rápida e eficiente.
Por outro lado, a visão é mais sombria para figuras como Yoko Taro, o enigmático criador de Nier: Automata, que prevê: “A IA deixará todos os criadores de jogos desempregados.” Uma perspectiva que, com uma pontinha de ironia, nos faz perguntar se teremos robôs jogando jogos feitos por robôs no futuro. Enquanto isso, Swen Vincke, da Larian Studios (Baldur`s Gate 3), abraça a IA para automatizar as tarefas tediosas que ninguém quer fazer, liberando sua equipe para o que realmente importa: a criatividade e a narrativa que cativou milhões.
O Contexto da Mudança: Entre Desafios e Otimização
É importante notar que a Embracer Group tem enfrentado um período turbulento, com demissões em massa, jogos cancelados e estúdios fechados. Nesse cenário, a aposta na IA não é apenas um luxo tecnológico, mas uma estratégia de otimização e sobrevivência. A capacidade de fazer mais com menos, de forma mais eficiente e com a promessa de manter a qualidade, pode ser a chave para navegar pelos desafios econômicos e redefinir o futuro da empresa e, quem sabe, da indústria como um todo.
Em suma, a Embracer, sob a liderança de Phil Rogers, não está apenas flertando com a IA; está abraçando-a com uma estratégia clara, uma bússola ética e a promessa de que a tecnologia servirá à arte, e não o contrário. O futuro dos jogos, ao que tudo indica, será mais eficiente, talvez mais acessível, mas, espera-se, nunca sem alma.