A indústria de videogames é um campo de batalha onde tendências nascem, florescem e, por vezes, murcham tão rapidamente quanto surgem. No epicentro dessa dinâmica está a aposta nos jogos como serviço (live-service games), um modelo que promete longevidade e engajamento contínuo. A Sony, com sua marca PlayStation 5, tem investido pesado nesse segmento, mas a jornada tem sido mais acidentada do que muitos esperavam. A mais recente onda de turbulência atinge Fairgame$, um título promissor para PS5 e PC da Haven Studios, que acaba de perder mais um de seus pilares.
Despedidas no Projeto “Robin Hood Moderno”
O diretor de jogo de Fairgame$, Daniel Drapeau, confirmou sua saída da Haven Studios para se juntar à WB Games Montreal como diretor criativo em um projeto futuro. A notícia não seria tão impactante se não fosse pelo histórico recente do jogo. Drapeau é uma figura experiente, com passagens por gigantes como Ubisoft (onde foi game designer líder em Rainbow Six Siege) e Eidos-Montreal (Shadow of the Tomb Raider). Sua movimentação, embora um passo natural na carreira, levanta questionamentos sobre a saúde do desenvolvimento de Fairgame$.
Esta não é a primeira saída notável da Haven Studios. Em maio, a fundadora Jade Raymond deixou a empresa, e na mesma época, foi noticiado que Fairgame$ havia sido adiado para 2026 após testes internos pouco favoráveis. A premissa do jogo – um grupo de “Robin Hoods modernos” que roubam de bilionários com “muito dinheiro e muito poder” – parecia ter potencial, mas a realidade do desenvolvimento de um título live-service, aparentemente, impõe desafios maiores do que a narrativa audaciosa do jogo.
O Labirinto dos Jogos como Serviço da Sony
A saída de Drapeau para a WB Games Montreal, um estúdio que trabalhou em Gotham Knights e auxiliou em Suicide Squad: Kill the Justice League, e que, segundo rumores, estaria desenvolvendo um jogo de Game of Thrones, é um sintoma de um quadro maior. A Sony, em certo ponto, planejava lançar nada menos que 12 jogos como serviço nos próximos anos. Uma meta ambiciosa, talvez até otimista demais.
Em 2023, a empresa recalibrou seus planos, decidindo focar na qualidade em vez da quantidade e cortando a produção pela metade. Esse realinhamento já resultou em perdas significativas:
- O ambicioso jogo multiplayer de The Last of Us foi cancelado.
- Um projeto live-service de God of War e outro da Bend Studio (responsável por Days Gone) também foram descartados.
- O caso mais emblemático foi o de Concord, que teve um desempenho tão pífio no lançamento que a Sony rapidamente o tirou do ar e reembolsou todos os jogadores, culminando no fechamento da desenvolvedora Firewalk.
Internamente, a estratégia gerou atritos. Jim Ryan, ex-chefe da PlayStation, teria imposto a visão live-service, o que causou descontentamento em parte dos desenvolvedores. Shuhei Yoshida, outra figura influente, chegou a brincar que foi “removido” de seu cargo por tentar “resistir” a essa onda. Uma dose de ironia amarga, talvez, mas que ilustra a tensão envolvida.
Brilhando no Caos: O Sucesso de Helldivers 2
Em meio a tantas dificuldades, um raio de luz surgiu: Helldivers 2. Lançado no início de 2024, o jogo se tornou um fenômeno, quebrando recordes de vendas e provando que, sim, a Sony pode ter um sucesso retumbante no segmento live-service. A capacidade de Helldivers 2 de atrair e reter jogadores, com seu gameplay cooperativo frenético e suporte contínuo, é o modelo que a Sony desesperadamente busca replicar.
No entanto, Helldivers 2 parece ser a exceção, não a regra. Outros projetos, como Marathon da Bungie, enfrentam seus próprios atrasos e incertezas. Um título codinome “Gummy Bears”, também da Bungie em colaboração com a SIE, parece ter cruzado um marco de desenvolvimento, mas o caminho até o lançamento e o sucesso ainda é longo e traiçoeiro.
O Futuro Incerto da Aposta Live-Service da Sony
Após o desastre de Concord, Hermen Hulst, chefe da PlayStation Studios, afirmou que novas estruturas foram implementadas para garantir que os futuros jogos como serviço cheguem ao mercado em melhor estado. É uma promessa necessária, mas a realidade da indústria mostra que o sucesso não é garantido.
A saída de Daniel Drapeau de Fairgame$, somada ao adiamento do jogo e ao histórico misto da Sony, serve como um lembrete contundente: o mercado de jogos como serviço é um terreno fértil para inovações e lucros, mas também um cemitério de ambições e orçamentos. A Sony tem o talento e os recursos, mas a execução continua sendo o grande desafio. Resta saber se Fairgame$, quando finalmente chegar em 2026, conseguirá desviar dos perigos e se consolidar como um sucesso, ou se será mais um nome na lista de títulos que sucumbiram à complexidade desse modelo.