Um Panorama Deslumbrante, Manchas de Sangue
No vasto e competitivo universo dos videogames de mundo aberto, surge um novo nome que promete cativar tanto pela beleza quanto pela brutalidade: Ghost de Yotei. Este título não é apenas mais um jogo; é uma experiência imersiva que transporta os jogadores para a mística ilha de Ezo, um local que, apesar de suas raízes históricas, pulsa com uma aura quase mágica. Imaginem campos ondulantes de grama pontilhados por caminhos de flores brancas, cavalos selvagens correndo livres sob um céu repleto de pássaros — um cenário idílico que, paradoxalmente, serve de palco para uma das mais intensas narrativas de vingança dos últimos tempos.
A Ilha de Ezo: Santuário e Campo de Batalha
Ezo, em Ghost de Yotei, é um personagem por si só. Suas paisagens são de tirar o fôlego, com os Campos de Yotei exibindo um verde tão exuberante que a vontade de rolar por ele é quase incontrolável. No entanto, essa paz é uma ilusão efêmera. Bandos de soldados, ronins famintos e até ursos irascíveis são encontros comuns. Essa dualidade entre a beleza etérea e a crueldade da guerra é o cerne da atmosfera do jogo, uma terra que parece resistir à mancha da humanidade, mas que é implacavelmente tingida pelo sangue derramado pelas forças do nefasto Lorde Saito e seu grupo, os Yotei Six.
Atsu: A Fúria Encarcerada em Uma Guerreira
No centro desta saga está Atsu, uma guerreira marcada por cicatrizes que transcendem a pele. Criada pacificamente nos Campos de Yotei, ao lado de seu irmão gêmeo Jubei, sua vida tranquila desmoronou com a chegada de Lorde Saito. A perda de sua família transforma a vingança em sua única razão de ser. Após anos aprimorando suas habilidades marciais em guerras no continente japonês, ela retorna a Ezo com um único propósito: desmantelar os Yotei Six.
Curiosamente, Atsu, inicialmente tão misteriosa e hostil quanto a própria ilha, revela camadas surpreendentes. Conhecida por alguns como uma onryo, um “fantasma assassino”, ela exibe uma generosidade notável ao ajudar colonos necessitados ou resgatar animais. Afinal, quem diria que um espírito vingativo seria um pescetariano convicto? Essa complexidade impede que ela seja apenas um avatar do jogador, transformando-a em uma personagem multifacetada, movida por ideais que vão além da simples retribuição.
O Arsenal da Vingança: Combate e Versatilidade
Ghost de Yotei não se limita a uma única abordagem de combate. Atsu, não sendo uma samurai tradicional, abraça a pragmática de usar qualquer ferramenta necessária. Uma katana é boa, mas duas são ainda melhores para certas situações. Uma lança é ideal para manter os inimigos à distância, enquanto a odachi massiva pode fatiar adversários maiores. A kusarigama, por sua vez, é perfeita para quebrar escudos e atingir múltiplos inimigos simultaneamente.
Mas as opções não param por aí. O arsenal de Atsu inclui dois tipos de arcos, bombas, um rifle e uma variedade de armas de “fogo rápido”, como uma pistola. Embora seja possível adotar o papel de um samurai honrado, confrontando inimigos um a um, muitas vezes a discrição é a melhor aliada. Eliminando arqueiros e atiradores silenciosamente, a vantagem tática é inegável.
O combate é um balé estratégico de dano de atordoamento e aparos, inspirando-se no clássico “jankenpon” (pedra-papel-tesoura) japonês. No início, enfrentar dezenas de inimigos parece uma tarefa insana, mas com o desenvolvimento de habilidades e o acesso a novas armas e técnicas, Atsu se torna uma força imparável. Em breve, você estará eliminando múltiplos inimigos em um único “confronto” ou utilizando a kusarigama para assassinatos furtivos à distância, transformando a desvantagem numérica em uma mera formalidade.
Além da Lâmina: Crescimento e Conexões
A maior parte da jornada em Ghost de Yotei é uma mistura de exploração e aniquilação, enquanto Atsu lentamente cria laços com aqueles que encontra. Comerciantes e mentores formam seu “bando de lobos”, um círculo que, gradualmente, a faz revelar um lado mais suave. O que começa como uma busca singular por vingança, eventualmente, se transforma em algo mais profundo. Em suas horas finais, a história de Atsu se aprofunda, e ela descobre laços e pessoas que talvez signifiquem mais do que a sua sede inicial de sangue. Embora essa evolução narrativa possa parecer um pouco tardia, ela é um bem-vindo catalisador para transformar Atsu de um arquétipo em uma personagem plenamente realizada.
Um Mundo Aberto com Sua Própria Alma
Apesar de seu apelo visual inegável e sua personalidade marcante, Ghost de Yotei, em alguns momentos, pode flertar com a familiaridade dos jogos de mundo aberto genéricos. Ajudar raposas adoráveis, descobrir santuários escondidos e eliminar ronins perdidos são atividades empolgantes no início. No entanto, mesmo com as pequenas inovações que a desenvolvedora Sucker Punch implementou, muitos pontos de interesse podem, eventualmente, parecer repetitivos. A exploração e a revelação do mapa são incrivelmente satisfatórias no começo, mas após desvendar cerca de metade do mundo do jogo, a sensação de novidade pode diminuir.
Mesmo assim, Ghost de Yotei consegue criar uma atmosfera única, diferenciando-se até mesmo de títulos semelhantes como Ghost of Tsushima. As paisagens deslumbrantes e a constante oferta de ferramentas e cosméticos desbloqueáveis garantem horas de jogabilidade. É um mundo que merece ser explorado em sua totalidade, uma fatia assombrosamente bela do interior japonês.
Veredito: Uma Visita Indispensável, Mas Cautelosa
Se a ideia de se perder por 50 horas em uma jornada envolvente de ação, vingança e autodescoberta em um cenário japonês feudal de tirar o fôlego lhe agrada, então Ghost de Yotei é uma parada obrigatória. É um jogo que seduz com sua beleza e prende com sua narrativa, provando que, mesmo em meio à guerra e à busca por retribuição, a esperança e a redenção podem florescer. É um lugar belíssimo para visitar, mas talvez não um onde se desejaria viver, dada a intensidade de seus conflitos.