O universo dos jogos independentes, muitas vezes visto como um oásis de experimentação e liberdade criativa, foi recentemente sacudido por uma onda inesperada. Itch.io, a plataforma digital que se tornou sinônimo de jogos indie e conteúdo gerado pelo usuário, encontrou-se em uma encruzilhada. A maioria de seu conteúdo classificado como “não seguro para o trabalho” (NSFW) ou para adultos foi, de repente, desindexada. Não, os jogos não desapareceram do mapa, mas encontrá-los tornou-se uma verdadeira caça ao tesouro digital, invisíveis nas buscas da plataforma.
A motivação por trás dessa mudança não veio de uma epifania interna sobre moralidade digital. Longe disso. A alavanca foi puxada por pressões externas, notadamente após uma campanha orquestrada pela organização Collective Shout. O alvo? Não apenas Itch.io, mas também o gigante Steam, com a exigência clara de que os processadores de pagamento impedissem a venda de certos tipos de conteúdo. E, como sabemos, na era digital, quem controla a torneira do dinheiro tem, invariavelmente, a palavra final.
O Dilema dos Processadores de Pagamento e a Reação de Itch.io
Diante do ultimato dos seus processadores de pagamento, Stripe e PayPal, Itch.io se viu em uma posição delicada. Não é de hoje que instituições financeiras exercem influência sobre o tipo de conteúdo transacionado em plataformas online. A novidade, no entanto, veio com a resposta de Itch.io. Em uma atualização do seu FAQ, a plataforma deixou claro que não pretende simplesmente aceitar a situação. Pelo contrário, está “ativamente buscando outros processadores de pagamento mais dispostos a trabalhar com este tipo de conteúdo”.
Essa proatividade é um ponto crucial. Enquanto aguarda determinações finais de seus atuais parceiros, Itch.io já suspendeu a opção de pagamento via Stripe para conteúdo 18+. O foco imediato, segundo a própria plataforma, tem sido revisar a classificação de conteúdo e implementar uma rigorosa “porta de idade” no site. Parece que a equipe de Itch.io está no meio de um delicado balé, tentando proteger seus criadores e sua biblioteca, enquanto navega pelas águas turvas das políticas financeiras.
Itch.io vs. Steam: Uma Questão de Arquitetura
Muitos se perguntaram por que Itch.io foi tão severamente afetado em comparação com Steam, que também foi alvo da campanha. A resposta reside na própria arquitetura das plataformas. Steam, com sua natureza “fechada”, aprova cada página de produto antes que ela apareça na loja. Essa curadoria prévia lhes permite identificar e agir sobre páginas específicas de forma mais cirúrgica.
Itch.io, por outro lado, é uma plataforma “aberta” de Conteúdo Gerado pelo Usuário (UGC). Com mais de 2 milhões de páginas de produtos, qualquer um pode publicar conteúdo a qualquer momento com barreiras mínimas. Confiar apenas na marcação de usuários para identificar conteúdo “problemático” seria um ato de fé. Por isso, uma revisão mais ampla foi necessária para garantir a conformidade, resultando na desindexação em massa que observamos. É o preço da liberdade, ou, nesse caso, da abertura.
A Comunidade em Campo: Empurrando de Volta
A reação à medida de Itch.io não se fez esperar. Processadores como Visa e Mastercard foram “inundados” com e-mails e telefonemas de usuários, num esforço para reverter a proibição de conteúdo adulto. Paralelamente, a International Game Developers Association (IGDA) emitiu uma declaração condenando a ação. É um lembrete contundente de que, embora as empresas de pagamento possam ter o poder de desligar o dinheiro, a comunidade digital tem uma voz poderosa, e ela não hesita em usá-la.
No fim das contas, a saga de Itch.io é um microcosmo de um debate maior sobre censura, autonomia de plataformas e o poder quase onipresente das instituições financeiras na era digital. Enquanto Itch.io embarca em sua busca por um porto mais amigável para jogos adultos, fica a lição: a liberdade criativa em um ambiente digital, por mais utópica que pareça, ainda está sujeita às regras de quem move o dinheiro. E, curiosamente, parece que a inovação não está apenas em criar jogos, mas também em encontrar maneiras de vendê-los sem que as “rédeas” financeiras os restrinjam.