O filme que você pode mostrar para a sua mãe para explicar por que passa tanto tempo no computador: a análise de ‘POV: Киберспорт’

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No dia 11 de junho, em Moscou, o festival Beat sediou a estreia do documentário “POV: Киберспорт”, uma produção da BetBoom Esports. Documentários sobre esports não são novidade, já vimos trabalhos como True Sight da Valve, produções independentes e filmes focados em jogadores específicos ou equipes. Muitos desses filmes foram bem-sucedidos, mas geralmente voltados para um público interno, já familiarizado com o universo dos esports. Os criadores de “POV: Киберспорт” tentaram ir além, buscando apresentar a indústria por diferentes ângulos, de forma a despertar o interesse de quem está de fora. Neste artigo, vamos analisar se essa tentativa foi bem-sucedida.

Os esports, atualmente, não precisam mais de autoafirmação constante ou de tentativas desesperadas para atrair atenção. Eles migraram dos clubes de computador no porão para grandes estádios, e a imagem do “nerd de óculos” está gradualmente desaparecendo. De maneira geral, os esports parecem mais consolidados que muitas modalidades esportivas tradicionais. No entanto, ainda falta uma “vitrine” facilmente reconhecível para o observador externo, símbolos compreensíveis e populares (como já foi o prêmio do The International) da mesma forma que o futebol tem Ronaldo, Messi e a Copa do Mundo, ou o basquete tem a NBA e Michael Jordan, ou até mesmo a Fórmula 1 com Schumacher.

É nesse ponto que “POV: Киберспорт” busca atuar. Ele aspira criar uma vitrine atraente que possa apresentar os esports, mas não através de imagens genéricas de fãs gritando em torneios, e sim pelas histórias das pessoas que fazem parte dessa indústria.

Os realizadores conseguiram encontrar um bom equilíbrio: por um lado, a narrativa flui de maneira a não sobrecarregar o espectador com termos técnicos ou detalhes complexos dos jogos. Por outro lado, o filme não cai no formato de “esports para leigos”, que acaba parecendo estranho até para quem já conhece o assunto.

“POV: Киберспорт” fala com o espectador em uma linguagem acessível. Quando o The International aparece na narrativa, explicam por que esse evento é tão crucial para um personagem. Quando precisam mostrar por que o estilo de um determinado jogador de Dota 2 é algo incomum, o filme descreve de forma clara o que é um “carry” nesse jogo e o que o jogador em questão trouxe de novo para essa função.

Adicionemos uma pitada de crítica. Apesar de todos os seus aspectos positivos, o filme ficou um tanto confuso. Em uma duração relativamente curta, os criadores conseguiram encaixar dois heróis em duas modalidades diferentes — CS e Dota 2 —, um pouco da história da criação da BetBoom Dacha, um pouco sobre grandes eventos, e ainda uma infinidade de outros temas. Mesmo com a narrativa dividida em capítulos, por vezes era difícil de acompanhar para alguém que não está constantemente inserido na indústria, que não segue as notícias e que, por acaso, poderia ter ligado o documentário, por exemplo, no YouTube, e por algum motivo decidiu ficar. Nisso, talvez, resida o principal problema conceitual dessa vitrine vibrante, mas complexa — a saturação de material, o desejo claramente ardente do diretor e da equipe de filmagem de mostrar tudo em todos os lugares e de uma vez. Infelizmente, sem uma estrutura clara e uma ideia principal bem definida, o que fica na mente é apenas um lampejo brilhante com um gosto de “legal, mas quase nada ficou claro”. E a incômoda sensação de que, talvez, tenha chegado a hora de se aprofundar mais nas duas modalidades de esports.

Visualmente, “POV: Киберспорт” é extremamente atraente e tem um aspecto “adulto”, mas sem excesso de ostentação. No entanto, minha colega pode falar melhor sobre isso.

A produção do filme foi feita pela Stereotactic, uma produtora de Moscou. São verdadeiros entusiastas do seu trabalho, que cresceram de uma pequena comunidade para líderes reconhecidos no mercado, reunindo sob seu teto pessoas com um olhar autoral sobre as coisas e uma altíssima expertise em cinema.

A Stereotactic não faz apenas publicidade, mas também filmes de ficção e vários documentários, cujos temas são simplesmente fascinantes. Por exemplo, o filme `Управляемый занос` sobre um piloto de corrida com mobilidade limitada, a minissérie `Русские хакеры: Начало`, `Без кубков и медалей` sobre a `alma e o sentido do verdadeiro futebol russo`, ou outro sobre o tema mencionado — `de_Dacha` sobre o torneio LAN de CS2 em Dubai.

A produção de `POV: Киберспорт` ocupou a produtora nos últimos dois anos. É um grande trabalho: entrevistas, uma enorme quantidade de material de torneios e outros eventos, filmagens de arquivo, clipes com uso de computação gráfica. A imagem, de fato, parece muito vibrante, variada, e te prende à narrativa.

A trama de “POV: Киберспорт” se constrói em torno de quatro histórias: a de um jogador de Dota 2, a de um jogador de CS, a da série de torneios BetBoom Dacha (e seus criadores), e a de um fã comum de esports que aspira chegar à cena profissional e viaja pela primeira vez para um torneio de alto nível como espectador.

As três primeiras histórias, na minha opinião, foram mais completas e cinematográficas, e o mais importante — diferentes entre si. Por um lado, temos o jogador de CS, que desde o início foi considerado um gênio e ascendeu facilmente ao nível profissional. Por outro, o jogador de Dota 2, um “carry” que por vários anos não conseguia mostrar resultados e não era considerado um jogador de ponta pela comunidade, mas conseguiu superar todas as dificuldades, encontrando sua própria identidade no jogo.

A história do jogador de CS, por exemplo, tem imagens de arquivo muito legais dos primeiros eventos locais, onde ele, ainda criança em idade escolar, vence adversários adultos e fica satisfeito no palco, sendo quase a metade da altura de seus colegas de equipe. Mas o mais importante é que tentaram retratar o jogador como pessoa, mostrando suas duas faces: um jogador absolutamente audacioso e destemido que domina o servidor, e um adolescente quieto que, mesmo estando em equipe, vive como se estivesse em seu próprio mundo. Esses momentos foram apresentados não diretamente por meio de discursos, mas através de pequenos detalhes: eis o jogador guardando seu tapete lentamente, quase meditativamente (isso literalmente leva uns 15 segundos), e eis ele saindo silenciosamente da festa da equipe para simplesmente ir treinar.

Em contraste a ele, temos o jogador de Dota 2 — uma verdadeira estrela midiática, muito mais aberto, emocional, desinibido, que aproveita tudo o que acontece ao redor. Ele na vida e no servidor é a mesma pessoa, que simplesmente buscou por muito tempo aqueles que o aceitassem como ele é e pudessem usar seus pontos fortes. E se o jogador de CS lida com a pressão interna, o jogador de Dota 2 confronta a pressão externa, pela qual qualquer fracasso de sua equipe é imediatamente atribuído à sua extravagância e estilo de jogo não convencional.

A escolha dos heróis é realmente interessante. Duas oposições, dois caracteres. Existe um detalhe: devido à constante alternância na montagem, a diferença clara entre eles não é muito perceptível. Tudo parece se entrelaçar em uma imagem única de um `cyberatleta` que pode ser assim e pode ser assado. Sucesso aos rapazes na cena profissional, e ao diretor — uma sugestão suave para trabalhar a narrativa.

A história da série de torneios BetBoom Dacha e de seus criadores do estúdio FISSURE se tornou uma espécie de excursão calorosa à nostalgia. Aos tempos daqueles torneios de porão, eventos onde havia mais espuma de cerveja do que dispositivos de jogo — quando as pessoas vinham para os esports não por dinheiro, mas por amor. E em contraste com essas imagens, surge a cena do presente: a que ponto chegaram aquelas pessoas que, não muito tempo atrás, pagavam os funcionários com batatas caseiras, pegavam empréstimos e dormiam no local de trabalho.

Já a linha desse fã específico se mostrou um pouco menos compreensível e atraente. Embora o próprio personagem (e seu pai) seja um cara bastante carismático. No entanto, não fica totalmente claro para onde e por que essa história impulsiona o filme como um todo. Inicialmente, o personagem tem pouco menos de 4 mil de MMR, ele já não é estudante, mas os sonhos de esports ainda brilham nele. Sim, ao longo do filme ele sobe para 6 mil, mas o espectador da indústria entende que isso ainda não é sério, e os autores do filme como que tentam nos convencer de que nosso herói já está a meio caminho de entrar no grande jogo. Nesse sentido, o final, onde nos dizem que o personagem perdeu algumas centenas de MMR, mas ainda almeja os esports, parece uma ironia.

Talvez essa linha com o “homem do povo”, que tem brilho nos olhos, mas poucas perspectivas, pudesse ter sido mais significativa se os criadores tivessem arriscado virá-la para o lado oposto. Ou seja, mostrar que não, apenas a paixão e o desejo não são suficientes. E que os esports, como qualquer esporte, são cruéis, inclusive em sua seleção — os sonhos frequentemente se quebram, e você fica com as mãos vazias e dezenas de milhares de horas perdidas. Em vez disso, tivemos a visão já habitual da indústria através de óculos cor-de-rosa.

O fã experiente de esports, em documentários desse tipo, é atraído antes de tudo pela oportunidade de ver uma história já conhecida por um outro lado, o lado oculto — espiar por trás dos bastidores e ver o que está por trás de uma vitória ou derrota.

Nesse aspecto, “POV: Киберспорт” tem o que oferecer ao público. Principalmente no que diz respeito à organização dos eventos da FISSURE. E aqui, sim, sem óculos cor-de-rosa. Surge a oportunidade de ver quantas células nervosas destruídas e palavras impublicáveis estão por trás de cada atraso na transmissão. E é justamente sobre esse aspecto dos esports que sempre se fala menos, por isso esse ângulo parece extremamente vantajoso.

Uma situação análoga ocorre com a história do jogador de CS: há muitos depoimentos da sua equipe, imagens de bootcamps e gravações dos participantes em ambiente informal. Em suma, muito conteúdo que agradará aos fãs do clube e do jogador. No entanto, com a história do jogador de Dota 2, a situação é um pouco diferente. Ele, como orador, claro, aparece frequentemente em cena, mas seus colegas de equipe não são vistos no filme, assim como qualquer material exclusivo da equipe dele. O que terá motivado tal desequilíbrio?

Apesar de várias vantagens que “POV: Киберспорт” possui, não se pode deixar de notar certos defeitos na fita. Por exemplo, em Dota 2, os fragmentos de partidas são escolhidos como que aleatoriamente e servem apenas de fundo, sem qualquer destaque. Curiosamente, com CS não há um problema semelhante — claro, visualmente o jogo de tiro é mais compreensível, e a beleza de um “ace” é mais fácil de transmitir do que qualquer lance de destaque em Dota 2. No entanto, a Valve em True Sight demonstrou claramente como se deve trabalhar com os momentos em Dota 2. Além disso, mesmo no antigo “В зените мечты” havia inserções em SFM que adicionavam tanto espetacularidade quanto maior clareza. Os autores de “POV: Киберспорт” por algum motivo renunciaram completamente a essa técnica, o que fez com que o drama e a vivacidade da linha do Dota caíssem um pouco.

Outra decisão bastante questionável foi a dublagem da fala dos narradores de língua inglesa durante os momentos de destaque. Afinal, transmitir as emoções, a tensão e a energia de uma narração ao vivo na dublagem pós-produção é praticamente impossível.

Faltou-me coerência, clareza para o espectador comum. Por que os espectadores deveriam querer acompanhar esses heróis? Por que justamente esports? Por que é legal ser parte da comunidade? Parecem perguntas super simples, mas é exatamente isso que se espera de um filme temático. Afinal, alguém se apaixonou tanto pelo tema a ponto de dedicar dois anos da vida a ele.

O filme tem um limiar de entrada bastante alto para novatos. O que é BetBoom Dacha, quais são as regras dos torneios, qual a complexidade da vida dos jogadores dentro e fora da arena — todas essas convenções importantes são mencionadas muito superficialmente.
Concordo com o colega sobre os fragmentos ilustrativos das partidas: é muito confuso quando você não consegue entender como as palavras dos comentaristas se relacionam com o que está acontecendo no mapa. Surge uma sensação de completa desrealização, e enquanto você se recupera dela e tenta entender quem está fazendo o quê, a história já saltou muito à frente.
Em conclusão, gostaria de dizer que o filme se beneficiaria se renunciasse a parte do material em prol da consistência do resultado final. No entanto, não se pode deixar de celebrar o nível de expertise exigido do espectador comum, bem como o interesse genuíno e profundo pelo tema. Que venham os esports para as massas!

No final, “POV: Киберспорт” se revelou um filme bastante vibrante, original e atraente sobre nossa amada indústria. Sim, a obra tem falhas, e como que lhe falta unidade; afinal, a tentativa de abranger várias disciplinas e personagens não relacionados entre si tem consequências óbvias. No entanto, os autores conseguiram criar aquela vitrine que, por exemplo, pode ser mostrada aos seus pais ou amigos para explicar por que esports são incríveis. E o mais importante, que os próprios fãs de esports também encontrarão algo interessante para si nessa vitrine.

Gabriel Neves dos Santos

Gabriel Neves dos Santos, 34 anos, é um repórter veterano da cena de eSports em Curitiba. Com background em programação, ele traz uma perspectiva única para suas análises sobre Dota 2 e Valorant. Conhecido por suas investigações aprofundadas sobre contratos e transferências de jogadores profissionais, ele se destaca por revelar histórias exclusivas do cenário.

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