O badalado filme “O Profeta”, que gerou burburinho no inverno, já está disponível digitalmente, tornando-se muito mais acessível para o público. A pergunta que fica é: quão bem o rap se encaixa ao lado dos grandes versos dos livros escolares, e será que a São Petersburgo de meados do século XX era realmente tão festeira quanto mostrada? Vamos investigar.
A trama segue o enredo clássico. Um jovem e impetuoso Alexander Sergeyevich (Kai Getz) demonstra seu caráter no Liceu de Tsarskoye Selo, defendendo que nada é mais importante que a liberdade e o espírito livre. Seu desempenho acadêmico é medíocre, e ele participa de duelos proibidos, mas seu talento poético é inegável e reconhecido. Assim, ele segue pela vida, amadurecendo entre bailes intermináveis e reuniões mais modestas em São Petersburgo. Eventualmente, Pushkin — já com suas costeletas (interpretado por Yura Borisov) — é exilado de São Petersburgo para Mikhailovskoye por sua vida desregrada e poesia provocativa, com a colaboração de Alexander Benkendorf (Sergey Gilyov). Lá, ele se sente sufocado entre os camponeses e anseia por notícias de seus amigos como quem busca ar fresco.
Nesse período, a revolta Dezembrista eclode na capital, envolvendo amigos próximos e companheiros de ideais do poeta. Pushkin perde o evento, e essa “traição” o atormenta terrivelmente. Logo, ele retorna a São Petersburgo na esperança de uma mudança de poder que traga consigo a queda da censura. Claro, o trono não é ocupado por Konstantin, a quem os Dezembristas tanto esperavam junto com a Constituição, mas sim por Nicolau I (Yevgeny Schwartz). No entanto, o sol da poesia russa tenta encontrar um terreno comum com o imperador — chegando a jogar tênis com ele enquanto debatem suas diferenças de visão sobre as leis estatais, e isso rende frutos. Pushkin é reabilitado, autorizado a publicar e reintegrado à vida social habitual.
A felicidade, contudo, dura pouco — a profecia amaldiçoada que uma bruxa sussurrou a Pushkin anos antes começa a se cumprir: “Cuidado com o cavalo branco, a cabeça branca ou o homem branco”. Tudo parecia estar bem: vida familiar com a bela Natalya Goncharova (Alyona Dolgolenko), filhos, trabalho, bailes ocasionais. Mas então Pushkin decide pelo duelo fatídico com Dantes — para defender a honra de sua esposa. Ele se sentirá tranquilo, pois não há cavalo branco, nem cabeça, nem homem. Até que ele próprio caia à beira do Rio Negro, ferido por uma bala, e perceba que toda a sua cabeça está coberta de neve. A história se fecha poeticamente com Natalya, que se debruça na janela e vê toda São Petersburgo aclamando o nome de seu amado, mas em vez de gritos de alegria, soam marchas fúnebres e sinos.
Parece que os autores se arriscaram na tarefa mais difícil — retratar a vida inteira de um grande homem em poucas horas de tela — mas, ao mesmo tempo, se protegeram cuidadosamente com o desejo de criar um retrato colorido da época, tirar a poeira dos ombros de Pushkin e apresentá-lo em uma imagem mais moderna e vital. É justo dizer que este filme está longe de ser uma biografia estrita; os marcos da vida de Alexander Sergeyevich são, claro, utilizados, mas são embelezados e poetizados: ora por belas metáforas, ora por expressivos números musicais. E este é um ponto forte do filme — seu trabalho com a tonalidade da história. É essa abordagem que define a aposta principal na novidade da interpretação de nomes e eventos já conhecidos por nós.
Não era preciso inventar nada sobre Pushkin — apenas ler tudo o que fosse possível. Mas “O Profeta” não é um trabalho histórico, não é a reprodução de uma figura específica. Trata-se de uma impressão, sobre por que precisamos de Pushkin hoje. Será que já não tivemos o suficiente sobre Pushkin? Por que ele nos é necessário hoje, o que ele pode nos dar? Era isso que me importava entender.
O resultado é uma complexa mistura de gêneros, incluindo musical, melodrama e — em alguns momentos — cinema histórico. Sim, há rap (e este é um ponto discutível, mas com direito a existir), sim, há danças, mas elas não atrapalham a percepção geral do filme. É uma bufonaria leve e colorida, onde as personalidades históricas são aproximadas ao máximo da nossa realidade, com seus tormentos, recitativos desajeitados, traições, juramentos e tudo mais que é tão próprio das pessoas comuns.
A única coisa que não se alinha muito bem com essa abordagem são as motivações dos personagens. Mesmo o próprio Pushkin é difícil de entender sem uma “cola” — por que ele rouba mulheres alheias, se embriaga e, entre uma coisa e outra, recita seus versos para um público sedento. Apesar disso, surpreendentemente, o retrato do herói se formou. Embora por vezes superficial e injustificado, ele existe, e é muito fácil amá-lo. Existe a teoria de que a equipe do diretor Felix Umarov simplesmente teve muita sorte com o ator principal — Yura Borisov. Ele é simplesmente bom demais e compreensível no papel do sol da poesia russa.
Um Pushkin ideal. Às vezes ridículo e ingenuamente infantil, às vezes sábio, sério, pronto a lutar até o sangue por suas próprias convicções. Alguém querido, que dá vontade de acolher no peito, bêbado ou mulherengo — que diferença faz, se ele é a alma do povo.
A onda de popularidade que surgiu de forma oportuna — a nomeação ao Oscar, o apoio geral relacionado a isso — favoreceu tanto o ator quanto “O Profeta” e sua campanha promocional. Antes da estreia, Yura Borisov apareceu no metrô de Moscou no papel do poeta, distribuindo flores aos transeuntes, e passeou pela cidade em um cavalo branco. Não surpreende que o filme tenha pegado a onda do boca a boca; parece que todos que tinham o mínimo interesse em cinema sabiam dele. No final, o filme arrecadou naturalmente 1,6 bilhão de rublos nas bilheterias.
Púshchin (Ilya Vinogorsky), Danzas (Roman Vasiliev), todos os amigos de Pushkin. Eles jogavam cartas, bebiam, levavam um estilo de vida um tanto “selvagem” no bom sentido. Eu também tive a oportunidade de estar em lugares assim, e vi que, quando jogavam pôquer, distribuíam cartas também para Pushkin, ou seja, ele jogava com eles. Na primeira vez, perguntei: `De quem são estas cartas?` `São para Pushkin, são para Sasha`, diziam eles. Enfim, havia ali uma atmosfera mística, irmandade e uma energia incrível.
Primeiro, o filme tem muita leveza, audácia, amor, coragem e energia, e durante parte de seu tempo de tela, esta biografia (ainda que não estrita) cumpre a tarefa principal das biografias cinematográficas. E essa tarefa, na minha visão aguçada por `O Estudante` e `Limonov`, consiste em que o caráter do filme seja congenialmente alinhado ao caráter do herói.
A leveza esteve presente não só dentro do filme, mas também em sua produção. O diretor Felix Umarov foi uma escolha inesperada, pois é um estreante, e ainda por cima jovem. Quando o trabalho em “O Profeta” começou, Umarov tinha apenas 26 anos; no momento do lançamento do filme, ele completou 30.
Uma função não principal, mas tampouco insignificante, que o filme cumpre perfeitamente é a de popularizar a obra de Pushkin entre a população. Sim, a obra não carrega um significado profundo nem grande importância para a história do cinema mundial, mas é simplesmente um filme familiar agradável e vibrante, que mais uma vez permite esquecer os problemas do mundo moderno que nos cercam, e também representa uma agradável realidade alternativa de um período histórico difícil. Aqui não há uma grande narrativa sobre os Dezembristas e os terríveis sacrifícios feitos em nome da liberdade (as cenas com revolucionários mortos são até suavizadas por um adorável coelhinho branco que salta livremente sobre os corpos inertes e congelados), a crueldade do regime governante é quase completamente ignorada, todas as arestas são suavizadas ao máximo. Isso pode incomodar e afastar alguns espectadores, mas não há o que contestar — o filme não se posiciona como algo sério.