Olhos de Wakanda: Uma Lente Turva Sobre o Legado Vibraniano

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No vasto e inesgotável universo Marvel, cada nova incursão em Wakanda surge com a promessa de expandir a rica tapeçaria cultural e tecnológica apresentada em “Pantera Negra”. A mais recente aposta, a série animada “Olhos de Wakanda”, prometia mergulhar ainda mais fundo nas intrigas e aventuras dos agentes da nação mais avançada do planeta. Contudo, apesar de ostentar um impressionante 93% de aprovação no Rotten Tomatoes — um número que rivaliza com aclamadas produções como “BoJack Horseman” e “Samurai Jack” e supera ícones como “South Park” e “Rick and Morty” —, a primeira temporada nos deixou com uma sensação agridoce, para não dizer de sono profundo. Seria o problema nosso, ou há algo mais intrínseco na concepção desta “obra-prima” que falha em cativar?

A Contradição Fundacional: Wakanda, O Paraíso Hipócrita?

“Olhos de Wakanda” se apresenta como uma antologia de quatro episódios, um spin-off direto do sucesso de bilheteria “Pantera Negra”. A premissa é intrigante: agentes de Wakanda viajam pelo mundo para recuperar artefatos feitos de Vibranium, o metal lendário que fundamenta o avanço tecnológico da nação. No entanto, a série rapidamente tropeça na própria lógica e moralidade de Wakanda, levantando questões incômodas.

É compreensível aceitar as premissas de um universo de fantasia, onde a ciência cede lugar ao espetáculo. Mas, para uma nação que, há três milênios, já possuía armamento laser e aviões em pleno período medieval, o isolacionismo de Wakanda beira o paradoxo. Por que uma sociedade tão avançada e supostamente iluminada jamais tentou conquistar o mundo, ou sequer auxiliar seus vizinhos, especialmente quando a África era palco de colonizações brutais? A ausência de intervenção, justificada pela periculosidade do Vibranium, soa vazia quando os próprios wakandanos são os únicos a armar fugas ou, pior, a roubar artefatos que não representam ameaça iminente.

A série apresenta esses agentes como heróis, mas suas ações frequentemente os pintam como ladrões. “Com grande poder, vem grande responsabilidade”, já dizia o sábio. Em “Olhos de Wakanda”, parece que com grande poder, veio uma grande dose de hipocrisia. Suas vastas capacidades são direcionadas não para combater o mal global, mas para apropriação de “bugigangas” que, muitas vezes, são tesouros inofensivos de outras culturas, contendo Vibranium por acaso. A dilema da “roubar do ladrão” é rapidamente substituído pela caça a itens que pertencem legitimamente a outros povos, meramente por conterem o metal sagrado de Wakanda.

Narrativas Episódicas: Entre Clichês e Anacronismos Desconcertantes

O Espírito Rebelde e a “Necessidade” do Saque

O primeiro episódio, “Na Toca do Leão”, nos transporta para 1260 a.C., em Creta. Um comandante wakandano foragido constrói seu próprio reino com armas de Vibranium, escravizando povos mediterrâneos. A protagonista, uma ex-membro da Guarda Real Dora Milaje, é enviada para detê-lo. O problema? O episódio é um festival de clichês baratos de filmes de ação: a heroína que “não trabalha em equipe”, “escolhe seu próprio caminho”, desafia seus superiores e, sozinha, derrota exércitos e o vilão principal, que possuía superarmas, apenas com duas facas. A necessidade da intervenção wakandana, aqui, é a mais crível de toda a série, mas mesmo assim, a motivação principal é evitar que o reino do vilão se torne tão poderoso quanto Wakanda, e não um altruísmo genuíno.

E sim, a presença de uma mulher viking, um samurai e um assassino medieval no exército de um chefe africano em 1260 a.C. é tão “legal” quanto “absurdamente ilógica”. Ninguém explica, apenas acontece.

Lendas e Mentiras: A Guerra de Troia Repaginada (e Mal Contada)

A cultura africana é um manancial inesgotável de histórias, mitos e lendas. O que a Marvel faz em sua antologia sobre a África? Dedica metade de um episódio à Grécia Antiga, recontando a Guerra de Troia e o Cavalo de Troia. Como se nunca tivéssemos ouvido essa história antes. Aqui, Aquiles e seu “melhor amigo” Memnon (que na verdade é um agente wakandano infiltrado há nove anos em busca de um colar de Helena) são os protagonistas. Memnon, um traidor da pior espécie, abandona Aquiles à própria sorte para roubar um mero adereço com Vibranium, justificando a morte do amigo por “patriostismo”. A cena, que deveria ser um ponto alto dramático, apenas reforça a deslealdade sem sentido.

Aquiles, que “arrastou pessoas para a guerra para criar uma lenda que inspiraria as próximas gerações”… Roteiristas, o que está acontecendo?

O Raio de Esperança: Autocrítica e o Punho de Ferro

Este, talvez, seja o único episódio que ressoa de alguma forma. Uma jovem chinesa enfrenta os soldados wakandanos de elite quando eles tentam roubar uma estátua sagrada de dragão com uma língua de Vibranium. Sua paixão romântica revela-se ser o Punho de Ferro, e é ela quem, no fim, expõe a hipocrisia da organização wakandana. Ela argumenta que, ao tentar “reivindicar o que é deles”, eles estão simplesmente roubando artefatos de outras nações. A resolução, onde ela simplesmente remove a língua de Vibranium e a entrega aos wakandanos, mostra uma ponta de inteligência e autocrítica que faltou nos outros episódios. Há um humor sutil e uma conexão com o universo Marvel maior, o que pode agradar aos fãs que ainda restam.

Destino em Jogo: Viagens no Tempo e Mais Contradições

Em 1894, enquanto a Etiópia resiste bravamente aos invasores italianos, Wakanda está ocupada em mais um “saque” silencioso a um país vizinho. Um jovem príncipe e seu mentor roubam um machado de Vibranium. Inesperadamente, são atacados por uma Pantera Negra do futuro, que, após uma luta inicial, explica a situação: uma invasão alienígena no futuro só foi evitada porque Kilmonger (o antagonista do filme “Pantera Negra”) roubou aquele machado, forçando T`Challa a abrir Wakanda para o mundo. A lógica temporal aqui é tão emaranhada quanto as justificativas de Wakanda: por que a Pantera do futuro não poderia simplesmente explicar a situação aos reis de Wakanda em diferentes épocas, em vez de garantir que um item seja roubado por um vilão específico para “salvar o mundo”?

O Veredito Visual: Beleza Estática, Ação Sem Peso

Apesar das críticas narrativas, “Olhos de Wakanda” possui momentos visualmente impressionantes. Os cenários estáticos são frequentemente belíssimos, com paisagens que capturam a essência de diferentes culturas. Contudo, quando a ação começa, a animação parece perder seu brilho. As cenas de combate são dinâmicas e rápidas, mas muitas vezes carecem de peso e impacto. Personagens e objetos parecem não ter massa, o que torna golpes e saltos artificiais. Curiosamente, apesar da violência, a ausência de sangue é notável, adicionando uma camada de estranheza à experiência.

É um alívio, de certa forma, que os roteiristas não tenham reduzido a série a uma luta racial simplista. A tentação de pintar os colonizadores brancos como os grandes vilões, enquanto Wakanda heroicamente… bem, se mantinha à distância e observava, deve ter sido grande. Mas, a série optou por uma abordagem mais “neutra”, o que, paradoxalmente, ressaltou ainda mais a inação histórica da nação.

No final das contas, “Olhos de Wakanda” não é bom o suficiente para ser apreciado, nem ruim o bastante para ser motivo de chacota. É, de forma dolorosa, apenas… indiferente. As histórias da antologia falham em cativar, os personagens são clichês unidimensionais, e para piorar, são frequentemente apresentados como figuras desagradáveis: traidores e ladrões. A parte visual ocasionalmente brilha, mas é um lampejo insuficiente para justificar a paciência necessária para assistir a esta série que, apesar de curta, consegue ser arrastada e vazia. Um potencial imenso, transformado em uma oportunidade tristemente perdida.

Gabriel Neves dos Santos

Gabriel Neves dos Santos, 34 anos, é um repórter veterano da cena de eSports em Curitiba. Com background em programação, ele traz uma perspectiva única para suas análises sobre Dota 2 e Valorant. Conhecido por suas investigações aprofundadas sobre contratos e transferências de jogadores profissionais, ele se destaca por revelar histórias exclusivas do cenário.

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