Imagine a cena: a noite cai, e é hora de contar uma história para dormir. Que nome vem à mente para embalar o sono das crianças? Provavelmente não o mesmo autor que assina obras como “It – A Coisa” ou “O Iluminado”. No entanto, o mestre do suspense e horror, Stephen King, surpreende mais uma vez ao lançar uma reimaginada versão de um clássico conto infantil: João e Maria. E, para tornar a experiência ainda mais mágica e intrigante, a obra conta com ilustrações póstumas e inéditas de ninguém menos que Maurice Sendak, o gênio por trás de Onde Vivem os Monstros.
Quando o Terror Encontra o País das Maravilhas
A notícia de um livro infantil de Stephen King poderia, à primeira vista, soar como um pesadelo (no bom sentido, talvez?). Afinal, o homem que nos fez temer palhaços e hotéis isolados agora nos convida para o universo dos contos de fadas. Mas a verdade é que essa aparente contradição é a cereja do bolo, ou melhor, o glacê da casa da bruxa. King, com sua habilidade incomparável de construir narrativas, mergulha na essência sombria e didática dos irmãos Grimm para nos presentear com uma versão de “João e Maria” que, embora para crianças, carrega a profundidade e a tensão que só ele poderia imprimir.
A escolha de “João e Maria” não é aleatória. O conto, originalmente publicado em 1812, já possui em sua estrutura elementos que flertam com o macabro: crianças abandonadas, uma floresta perigosa e uma bruxa que atrai suas vítimas com uma casa de doces, antes de tentar cozinhá-las. É quase como se King tivesse encontrado em Grimm um parente distante, um precursor natural de suas próprias histórias de horror, mas com um toque açucarado. Uma bruxa que, convenhamos, teria muito em comum com Pennywise, se trocasse balões por bombons e esgotos por fornos… A ironia é deliciosa.
O Legado Visual de Maurice Sendak
O que eleva essa publicação a um patamar ainda mais especial é a presença das ilustrações de Maurice Sendak. Sendak, que nos deixou em 2012, é uma lenda da literatura infantil, venerado por sua capacidade de capturar a complexidade da infância e a riqueza da imaginação. Suas imagens para “João e Maria” são inéditas, concebidas antes de sua morte, e agora ganham vida ao lado das palavras de King. Essa parceria póstuma é um verdadeiro presente para os amantes da arte e da literatura, unindo dois titãs criativos em uma obra que transcende gerações.
A HarperCollins, em colaboração com a Fundação Maurice Sendak, orquestrou essa união, garantindo que o legado visual de Sendak continuasse a inspirar. As ilustrações, que preenchem a maior parte das páginas de 10.5 x 9.5 polegadas, são descritas como “imaginativas”, enquanto o texto de King é formatado como um romance em prosa à direita, permitindo que cada arte brilhe em sua plenitude. É uma dança harmoniosa entre o visual e o textual, onde cada um complementa e amplifica o outro.
King e o Universo Infantil: Não é a Primeira Vez
Para aqueles que se surpreendem com essa incursão de King no universo infantil, vale lembrar que essa não é a sua primeira aventura. Em 2016, ele publicou Charlie the Choo-Choo sob o pseudônimo de Beryl Evans. A história, que originalmente apareceu em seu romance A Torre Negra III: As Terras Devastadas (1991) sem ilustrações, ganhou uma versão ilustrada independente, recomendada para crianças em idade pré-escolar. King, ao que parece, tem um lado mais doce do que muitos de seus leitores de longa data poderiam imaginar, provando que até mesmo os corações mais sombrios podem encontrar um caminho para a luz (ou, pelo menos, para uma história de ninar).
Um Livro para Toda a Família (e Colecionadores)
Com uma idade de leitura recomendada entre 6 e 8 anos, as crianças agora podem se gabar de ter lido um livro de Stephen King. Imagine a cara do professor! Mas a verdade é que João e Maria transcende a faixa etária, tornando-se um item de colecionador para fãs de King e Sendak, e uma joia literária para qualquer família que aprecie boas histórias e arte de qualidade. É uma ponte entre o assustador e o encantador, um lembrete de que a boa narrativa não tem idade nem gênero definidos.
Enquanto o mestre do terror continua a lançar obras para adultos, como o aclamado Never Flinch, essa colaboração em João e Maria é um refrescante lembrete da versatilidade e do alcance de Stephen King. Uma obra que, sem dúvida, fará muitos pais pensarem duas vezes antes de apagar as luzes. Mas desta vez, será por pura admiração, e não por medo de um palhaço sorridente no esgoto.