O universo do streaming e dos esports raramente está livre de dramas, sejam eles dentro dos jogos ou nas plataformas que os exibem. Agora, a tensão escalou para o campo judicial internacional de uma forma… peculiar.
A Amazon e sua subsidiária Twitch abriram um processo nos Estados Unidos contra o ex-jogador profissional de League of Legends, Kirill Malofeev, mais conhecido pelo seu nickname “Likkrit”. O palco é uma corte na Califórnia, mas o objetivo é ambicioso e, no mínimo, inusitado: frear qualquer ação legal que Likkrit inicie ou já tenha iniciado contra elas fora dos territórios americanos.
A origem dessa disputa remonta a 2022. Na época, a Twitch bloqueou a conta de Likkrit, justificando a ação com base nas sanções impostas pelo Departamento do Tesouro dos EUA. Likkrit é filho de Konstantin Malofeev, um proeminente empresário russo que figura nas listas de sanções.
Contrariado e sem acesso à sua conta de streaming, o ex-pro player não ficou parado. Ele acionou a Twitch na Rússia, levando a questão para o Tribunal Arbitral de Moscou. Para surpresa de muitos – e aparente desespero da Twitch – ele saiu vitorioso. A decisão russa foi clara: a Twitch deveria restaurar o acesso à conta de Likkrit ou enfrentar uma penalidade crescente. Essa penalidade, conhecida como “astrente”, começou em 100 mil rublos e foi determinada a dobrar a cada semana que a ordem judicial não fosse cumprida.
É aqui que a saga ganha seu novo e mais dramático capítulo na Califórnia. A Twitch busca, através da justiça americana, que o veredito da corte russa seja simplesmente considerado inválido e inexequível nos EUA ou em qualquer outro lugar. O argumento principal dos representantes da plataforma é que a decisão russa é injusta e se baseia em uma lei que, segundo eles, foi “especialmente criada para minar as sanções dos EUA”.
Mas o ponto que realmente chama a atenção – e adiciona uma dose de ironia à seriedade do caso – é a alegação da Twitch sobre o valor da multa acumulada. A plataforma afirma que o montante devido, dobrando semanalmente desde a decisão russa, já atingiu proporções estratosféricas, chegando a “exceder todo o dinheiro do mundo”. Uma quantia, segundo eles, completamente desproporcional aos cerca de US$ 2 mil que Likkrit teria gerado em receita através da sua conta em quase nove anos de atividade na plataforma. Para adicionar mais uma camada de complicação, Likkrit não compareceu à audiência nos EUA marcada para fevereiro de 2025, o que não facilita sua posição no processo americano.
Para quem acompanha o cenário competitivo de League of Legends, Likkrit não é apenas “o filho de um empresário”. Ele foi uma figura proeminente e, por vezes, controversa no cenário do LCL (a liga russa/CIS). Defendeu equipes icônicas como Hard Random e, mais notavelmente, Albus NoX Luna. Com a ANX, alcançou o auge em 2016, protagonizando uma campanha histórica nos playoffs do Campeonato Mundial, onde a equipe surpreendeu o mundo ao terminar entre 5º e 8º lugar.
Sua carreira de jogador profissional teve um fim polêmico após uma transmissão onde criticou duramente a gestão e o estado do esports na região russa, cunhando a frase que se tornou infame: “Nossa região deve simplesmente morrer”. A própria LCL, ironicamente, não existe mais na sua forma original, dissolvida em meio a reestruturações e o contexto geopolítico.
O caso sublinha a complexidade crescente das disputas legais transnacionais, especialmente quando entrelaçadas com políticas de sanções internacionais e as operações de plataformas digitais globais. Uma batalha judicial que começou com o banimento de uma conta de streaming agora envolve cortes em continentes diferentes e cifras que, na retórica de uma das partes, desafiam a imaginação, tudo porque uma multa russa continua a crescer exponencialmente, semana após semana.