Em 20 de março, após uma série de adiamentos, a Ubisoft finalmente lançou Assassin`s Creed Shadows. Este jogo foi aguardado como uma chance de reerguer o estúdio financeiramente e recuperar a confiança dos jogadores após alguns lançamentos menos bem-sucedidos. Será que o título cumpriu a promessa de corrigir os erros passados? Descubra em nossa análise.
Estamos no final da Era Sengoku, em 1580. Oda Nobunaga, um grande general e reformador, ataca Iga, uma província cujos shinobi frequentemente atrapalhavam seus planos. A destruição de Iga contou com a participação de Yasuke, um estrangeiro africano que chegou com uma missão jesuíta e chamou a atenção de Nobunaga. Poucos sobreviveram, entre eles Naoe Fujibayashi. As circunstâncias de sua quase morte foram… peculiares: seu pai, Nagato Fujibayashi, ordenou que ela recuperasse uma misteriosa caixa, que um samurai mascarado tentou roubar. Ele não estava sozinho; outros membros da Shinbakufu, uma organização enigmática com objetivos obscuros, também apareceram em Iga. Antes de morrer nas mãos de agressores desconhecidos, Nagato conseguiu dar a Naoe uma lâmina oculta e a instrução de recuperar a caixa a todo custo, deixando-lhe como herança não riquezas, mas vingança, segredos e um propósito.
A história não é revolucionária, mas funciona e, de certa forma, já foi vista na série. A principal novidade é a introdução de dois protagonistas jogáveis. Embora algo semelhante tenha existido em Syndicate, por exemplo, aqui a diferença entre eles vai muito além da aparência. Mas vamos falar sobre isso em detalhes.
Shadows foi anunciado como o início de um novo grande período para a série: o primeiro cobriu os jogos do original até Syndicate, o segundo incluiu Origins, Odyssey, Valhalla e Mirage, e Shadows inicia o terceiro. Com este novo período, o motor do jogo recebeu uma atualização significativa para que as ideias dos designers pudessem ser totalmente realizadas. Isso, naturalmente, afetou o gameplay, que agora combina elementos familiares com novidades.
Outra novidade notável é a mudança de estações. O tempo passa no jogo, e com ele as estações mudam. Este ciclo afeta tanto o clima e as condições (no verão, por exemplo, é fácil se esconder na grama alta que não existe no inverno, enquanto uma tempestade de neve reduz significativamente a visibilidade dos inimigos) quanto permite `reiniciar` o estado do mundo. Isso, por exemplo, remove o status de procurado, se houver, reinicia os batedores (que podem entregar recursos e ajudar a localizar objetos no mapa) e, claro, muda a aparência dos locais.
A gestão de base retornou de forma renovada: algo semelhante já apareceu em Assassin`s Creed II, por exemplo, mas aqui o jogador tem muito mais liberdade de escolha. É possível (e recomendado) construir novos edifícios que desbloqueiam várias funcionalidades e melhorias. Além disso, você pode personalizar a base: escolher a aparência das estruturas, criar caminhos, colocar pedras musgosas e até lagos, abrigar animais e, em geral, decorar o local ao seu gosto. Há até opções para melhorar o interior das salas, como exibir conjuntos de armaduras ou pendurar quadros nas paredes. É um detalhe pequeno, mas que faz a base realmente parecer um lar – se o jogador assim desejar, é claro. Nada impede de usá-la apenas como um anexo funcional.
As primeiras 20 horas de jogo, excluindo um pequeno segmento inicial, são passadas controlando Naoe, que é a personagem shinobi (ou, como diríamos na série, a `assassina`). O detalhe de ser shinobi é surpreendentemente importante: Assassin`s Creed historicamente dependeu mais do stealth social e da capacidade de se misturar à multidão, enquanto Naoe opera à moda antiga, seguindo os preceitos de personagens como Snake e Fisher. Ela se esconde ativamente nas sombras, usa o ambiente e outros truques para permanecer despercebida. Pela primeira vez na série, também é possível se mover rastejando, o que ajuda tanto a se esconder em terreno aberto ou grama baixa quanto a passar por espaços estreitos.
O arsenal também foi reformulado. Naoe, como shinobi, utiliza ativamente três tipos de armas: katanas, kusarigamas e tantōs. Cada tipo tem suas particularidades: as katanas são boas para combate corpo a corpo padrão, oferecendo um ótimo equilíbrio entre velocidade e dano; o tantō exige uma abordagem mais `pessoal` e compensa seu dano menor com alta velocidade de ataque; as kusarigamas, por sua vez, permitem lutar tanto de perto quanto a média distância, surpreendendo o oponente com ataques variados. A isso se soma um arsenal de gadgets – desde os esperados kunais e shurikens (coisas diferentes!) até sinos e tubos de respiração para águas rasas.
O sistema de progressão continua presente. Naoe pode aprimorar suas habilidades com os três tipos de armas, melhorar seus equipamentos, aperfeiçoar suas técnicas shinobi ou seguir o caminho dos assassinos (referência mais direta à série). Este último, por exemplo, aumenta o dano de ataques furtivos, permite eliminar inimigos silenciosamente à distância (usando kunais e kusarigama) ou realizar assassinatos duplos, que exigem um tantō como complemento à lâmina oculta. É importante notar que Naoe foi projetada para ser uma personagem furtiva: ela pode, claro, lutar abertamente, mas sua eficácia em combate direto diminui consideravelmente.
O combate aberto no jogo fica por conta de Yasuke – um personagem que gerou bastante debate desde o anúncio. Deixando de lado as polêmicas, é importante destacar que Yasuke se mostrou um personagem surpreendentemente sólido: com uma personalidade agradável, humor sutil, motivação própria e, o mais relevante, um gameplay fundamentalmente diferente. É impressionante como a Ubisoft conseguiu apresentar dois heróis genuinamente distintos, tanto em termos de mecânicas quanto na narrativa, mantendo certas bases.
Naoe é uma refugiada de uma vila destruída. Yasuke é um samurai cuja posição não desaparece mesmo com a morte de Nobunaga. Consequentemente, a atitude das pessoas em relação a eles é diferente: a shinobi frequentemente enfrenta desprezo, chegando a recusas explícitas de interação, enquanto Yasuke é recebido com respeito ou perplexidade – devido à sua aparência incomum. No entanto, muitas vezes isso se limita a comentários: por exemplo, um assassinato na rua ainda será punido pela lei, mesmo que justificado, o que nem sempre condiz com as realidades da época.
Mas isso são detalhes menores. O aspecto do gameplay é muito mais importante, e aqui as coisas ficam mais interessantes. Como mencionado, mantendo as bases, os desenvolvedores conseguiram diversificar significativamente as mecânicas dos personagens, tornando a experiência única para cada um: enquanto Naoe se apoia em gadgets e furtividade, Yasuke enfrenta os problemas de frente. Por isso, sua árvore de habilidades e técnicas são completamente diferentes das da shinobi. Em particular, o samurai não possui equipamentos de furtividade nem a opção de aprimorá-la. Em vez disso, Yasuke pode desenvolver habilidades em cinco árvores relacionadas a armas (ōkatana – uma katana mais longa, naginata – arma de haste cortante, kanabō – bastão de guerra, teppo – uma forma japonesa de arcabuz e arco longo), e uma sexta árvore é dedicada a habilidades gerais de samurai, como a capacidade de derrubar inimigos com investidas de ombro ou incutir medo com um grito de guerra.
Yasuke é inerentemente mais resistente e causa mais dano aos inimigos, mas é muito menos eficaz em outros aspectos: por exemplo, ele praticamente não tem parkour, não usa o gancho para subir, faz barulho mesmo ao tentar se mover `silenciosamente`, não possui a Visão de Águia e, no geral, tem um conjunto de habilidades básicas bem diferente. Merece destaque especial o fato de que o famoso `salto de fé`, embora presente, só pode ser realizado uma vez: Yasuke, com um grito alto de horror, cai como um saco de areia e destrói o palheiro. Parece absurdo e cômico, mas combina perfeitamente com o personagem.
Na maioria das situações, Shadows permite escolher livremente com quem jogar: praticamente qualquer cenário no mundo aberto pode ser abordado de várias maneiras diferentes. Por exemplo, frequentemente o jogador terá que limpar fortalezas, o que envolve eliminar vários samurais daishō e depois abrir um baú especial. Naoe usará suas habilidades furtivas para eliminar inimigos cuidadosamente, movendo-se pelos telhados e outras elevações, enquanto Yasuke vai direto ao ataque, arrombando portas e desafiando inimigos abertamente para a batalha. Ambos os métodos são totalmente válidos, embora haja situações em que um dos heróis é mais adequado.
A troca entre personagens no jogo é livre, exceto em situações onde estão em perigo ou em território inimigo. É importante levar isso em conta e escolher a abordagem antecipadamente: por exemplo, lutar contra uma multidão de inimigos é mais fácil com Yasuke, mas ele não conseguirá escalar para um ponto de sincronização. Nada impede que você elimine todos, se afaste para uma distância segura e mude de personagem, mas isso consome tempo adicional.
Nas missões da história, a situação é frequentemente diferente, e na maioria das vezes é necessário jogar com ambos os heróis alternadamente. Não são raras as situações em que, por exemplo, Yasuke distrai os inimigos causando alvoroço, enquanto Naoe cumpre secretamente uma tarefa importante, como uma sabotagem ou a eliminação de um alvo. É interessante que, mesmo aqui, às vezes há liberdade de escolha, incluindo quem enfrentará o chefe. Naoe, aliás, mesmo nestas situações pode usar sua lâmina oculta e eliminar inimigos aparentemente muito perigosos com um único golpe.
Falando em história. Seguindo a tradição da série, o jogador terá que lidar com uma série de alvos sobre os quais inicialmente nada se sabe. Será necessário coletar informações, descobrir detalhes e se aproximar metodicamente do líder da Shinbakufu. No total, há 12 oponentes mascarados, e o acesso a eles será liberado gradualmente: alguns alvos são de nível muito alto para serem atacados no início do jogo.
Na maioria dos casos, cada um desses inimigos se encontra em uma nova localização, o que serve como o principal motivo para visitá-las. Durante a jornada, Naoe e Yasuke certamente encontrarão muitas tarefas menores – desde o simples `mate cem bandidos` até missões mais complexas em várias etapas, que exigem investigação cuidadosa de pistas. É interessante que algumas missões podem ser encontradas mesmo sem iniciar suas cadeias correspondentes: por exemplo, durante a exploração, você pode encontrar um alvo especial, eliminá-lo e não saber quem ele era ou por que era importante – apenas uma `menção a uma organização perigosa` aparecerá no quadro de missões, sem detalhes. Ou, ao contrário, você pode descobrir detalhes sobre criminosos específicos antecipadamente e não ter a menor ideia de onde procurá-los.
É igualmente interessante que algumas missões tenham múltiplos caminhos para serem completadas, e mesmo em tarefas de eliminação de alvos, às vezes é possível deixar alguém vivo – e nem sempre isso acontece intencionalmente. Por exemplo, um clã samurai local aterroriza uma cidade: se o líder for eliminado, seus filhos virão em busca de vingança, mas nem todos. Alguns aproveitarão a liberdade criada para fugir e começar uma vida nova. É especialmente fascinante que seja possível deixar vivos até mesmo alguns membros da Shinbakufu – não todos, mas a própria possibilidade surpreende.
Esta última característica, aliás, leva a uma mudança notável em comparação com os jogos anteriores: mesmo após completar missões principais, as histórias dos personagens relacionados frequentemente não terminam. É comum encontrar certos personagens que desejam interagir com Naoe ou Yasuke mesmo depois de suas linhas de missão terem sido concluídas, e em alguns casos, estão dispostos a iniciar novas missões – não principais, mas secundárias. Ou mesmo se juntar à resistência como aliados, que podem ser chamados para ajudar em combate.
A história tem um grande potencial no início, que infelizmente não se concretiza. No início, Naoe e Yasuke parecem estar em lados opostos do conflito, o que soa fresco e interessante. Yasuke nem aparece nas primeiras 20 horas, o que cria a esperança de que os eventos serão mostrados de pontos de vista opostos. Mas não: após o primeiro encontro direto, os heróis se unem e começam a agir juntos, mesmo que com objetivos diferentes. Isso é uma pena, claro: teria sido muito mais interessante se os desenvolvedores tivessem arriscado mostrar perspectivas verdadeiramente opostas, em vez de se limitar a apenas um lado.
Isso é parcialmente compensado pela forma como os verdadeiros objetivos dos membros da Shinbakufu são revelados. O fato é que quase todos eles se juntaram à organização não por um objetivo comum, mas perseguindo os seus próprios – a tal ponto que alguns nem sequer sabem o que o líder busca. Essa diversidade de intenções funciona bem e é interessante – você nunca sabe o que esperar do próximo oponente. A profundidade dos Templários do primeiro jogo está longe, e os discursos de morte são frequentemente muito mais curtos e menos expressivos, mas em comparação com os jogos mais recentes da série, ainda parecem mais impactantes.
Várias atividades adicionais são responsáveis por adicionar variedade às aventuras dos heróis – desde meditações e treinamento de kata até a exploração de tumbas antigas (kofun) e pintura ao ar livre. Algumas coisas mais familiares também mudaram: por exemplo, a sincronização em pontos de vista não revela mais o mapa, mas serve como um ponto para viagem rápida e, claro, como um ponto de observação – de onde é possível avistar potenciais pontos de interesse no cenário sem detalhes específicos.
Sob os pontos de interrogação pode se esconder qualquer coisa: desde pontos turísticos simples e, em geral, inúteis, até fontes de recursos, rotas de parkour ou, por exemplo, templos. É necessário visitar os templos para obter conhecimentos que desbloqueiam novos níveis na árvore de habilidades e dão acesso a técnicas mais avançadas. Isso, somado ao fato de que o mapa precisa ser gradualmente descoberto, incentiva a exploração do mundo: é difícil progredir em Shadows sem melhorar os atributos e desbloquear novas habilidades úteis.
No entanto, o conjunto de atividades disponíveis não é suficiente para realmente cativar: o novo jogo simplesmente não consegue manter o interesse durante toda a jornada, pois por volta da 30ª hora, o jogador já terá visto praticamente tudo o que Shadows tem a oferecer – e, mesmo assim, terá completado talvez apenas metade do conteúdo. É aí que reside seu principal defeito: sim, é muito mais interessante que iterações anteriores de Assassin`s Creed, mas se considerado como um jogo isolado, a extensão excessiva é notável. O jogo tende a ficar cansativo muito antes de se aproximar do final. Especialmente se você se dedicar às inúmeras missões secundárias, que podem dobrar a duração da jogatina.
É interessante notar que esta é talvez a única crítica significativa ao jogo: Shadows possui uma história bastante envolvente, mecânicas decentes, novidades interessantes e um bom estado técnico. Não encontrei bugs sérios ou travamentos durante a jogatina, e o mais memorável foi a `ressurreição` de alguns inimigos que, após serem derrotados, se levantavam de forma estranha em posição vertical com a saúde cheia. Isso também desapareceu após alguns patches.
Assassin`s Creed Shadows é claramente um passo na direção certa. É perceptível que os desenvolvedores prestaram atenção às queixas dos jogadores e aprimoraram muitos aspectos, embora ainda haja muito a ser melhorado. O problema central continua sendo a extensão excessiva do jogo, embora a escala tenha diminuído em comparação com Odyssey. É claro que a série não terminará aqui, então é ainda mais interessante ver para onde os desenvolvedores seguirão a seguir – a esperança é que as lições certas sejam aprendidas.