Ao adentrar os domínios da Wizards of the Coast, em Seattle, a primeira impressão é um espetáculo de dragões de cobre e pilhas de boosters — um santuário para qualquer fã de Magic: The Gathering. O fervor pelo jogo é palpável, uma cultura de paixão que impregna cada canto do estúdio. Contudo, em meio a essa reverência pela própria criação, uma nova estrela tem roubado os holofotes, levantando questões e suscitando debates acalorados entre os jogadores: as coleções Universes Beyond (UB).
O Fenômeno Universes Beyond: Um Sucesso Inegável… e Controverso
A premissa de Universes Beyond é simples, mas poderosa: fundir o universo mágico de Magic: The Gathering com propriedades intelectuais icônicas de outras franquias. Já vimos Final Fantasy, Fallout, Assassin`s Creed, Doctor Who, O Senhor dos Anéis, e agora, o amigão da vizinhança, o Homem-Aranha, ganhando suas próprias cartas. O sucesso comercial é inegável, com coleções como O Senhor dos Anéis e Final Fantasy quebrando recordes de vendas, tornando-se as mais vendidas de todos os tempos. Segundo Mark Rosewater, o lendário designer-chefe de Magic, a razão é clara: “Nós fornecemos o que a base de jogadores quer. O fato de que as coleções Universes Beyond estão indo bem diz que há uma audiência — que as pessoas estão animadas com isso.”
Mas, como em toda história de sucesso meteórico, há uma sombra. A comunidade de Magic tem se mostrado cada vez mais vocal sobre o aumento da frequência dessas coleções. Em 2025, três das sete coleções programadas serão UB. A preocupação é dupla: por um lado, o receio de que a identidade original de Magic seja diluída, com suas próprias histórias e planos sendo ofuscados. Por outro, a questão dos preços, com colecionadores elevando o custo de entrada no hobby, algo que a própria Wizards admite estar além de seu controle direto, um “problema” do capitalismo, para usar as palavras de Rosewater. É uma ironia peculiar ver a Wizards celebrar o sucesso de vendas enquanto parte da sua comunidade se sente “precificada” para fora do jogo que tanto ama.
A Paixão Por Trás das Colaborações: Mais Que Negócios, um Ato de Amor
Porém, seria injusto reduzir as coleções UB a meros produtos comerciais. Os designers Cory Bowen e Sarah Wassell, juntamente com Rosewater, enfatizam que essas colaborações são verdadeiros “trabalhos de amor”. Para eles, é uma oportunidade de expressar uma profunda apreciação por outros fandoms, ao mesmo tempo em que buscam expandir a comunidade de Magic.
A criação do set do Homem-Aranha, por exemplo, revelou uma dedicação quase obsessiva aos detalhes. Rosewater, um fã confesso de quadrinhos, compartilha a alegria de garantir que cada nuance do universo do herói seja respeitada. Lembra-se de ter corrigido um texto de sabor que dizia que a teia do Homem-Aranha se dissolvia em 30 minutos, afirmando: “Não, não. Na verdade…” Ele sabia que os fãs iriam notar. Essa é a paixão que move o desenvolvimento, um compromisso com a autenticidade que transcende as fronteiras entre Magic e as propriedades licenciadas.
Desafios Criativos: De Nova York a Planos Fantásticos
Integrar IPs do “mundo real” como o Homem-Aranha, com seu cenário urbano de Nova York, em um jogo historicamente construído sobre planos fantásticos, apresenta desafios únicos. Como traduzir um táxi, um pombo urbano ou um cachorro-quente em cartas de Magic que se encaixem? Bowen observa que, embora pareça difícil, Magic, com seus 32 anos de história e vasta “caixa de ferramentas” de design, possui a linguagem para expressar até mesmo esses elementos mais mundanos.
Apesar disso, a equipe enfrentou a peculiaridade de trabalhar com um universo que as pessoas já conhecem intimamente. Ao contrário de criar um plano completamente novo, onde a imaginação é o único limite, adaptar Nova York exige um cuidado redobrado para capturar sua essência. “Não podemos inventar Nova York. Nova York é Nova York”, pontua Rosewater, destacando a responsabilidade de honrar uma realidade coletiva. A arte também se adapta, buscando emular os diferentes eras visuais dos quadrinhos, de forma a prestar homenagem aos grandes ilustradores que moldaram a cultura pop.
O Equilíbrio de Poderes: Super-Heróis e Mecânicas de Jogo
E quanto aos super-heróis? Como equilibrar personagens inerentemente “superpoderosos” sem quebrar o jogo? Bowen explica que a jogabilidade é soberana. Mesmo que um Homem-Aranha Cósmico seja, sem dúvida, uma carta mítica, sua força precisa ser calibrada para o ambiente de jogo. “É um pouco estranho que um taxista e o Homem-Aranha possam se eliminar em combate? É um pouco estranho, mas, novamente, Magic é um jogo abstrato. Quinze esquilos podem matar um Deus Ancião”, ele brinca, mostrando a necessidade da “suspensão da descrença” que é inerente a Magic. A raridade e as mecânicas específicas são as ferramentas para expressar o poder relativo e a emoção desses ícones.
O Futuro de Magic: Entre Tradição e Inovação Constante
A jornada de Magic: The Gathering com Universes Beyond é uma dança delicada entre a tradição de seu próprio universo e a atração irrefreável da inovação e da expansão. É uma encruzilhada onde o sucesso comercial se encontra com as preocupações da comunidade, e a paixão dos criadores se choca com a dura realidade do mercado. Embora a Wizards of the Coast insista que as decisões são guiadas pelo feedback dos jogadores — interpretado, na maioria das vezes, como volume de vendas — o diálogo continua. A questão não é se Universes Beyond vai continuar, mas como Magic vai integrar essas novas realidades sem perder sua própria alma mágica no processo. Afinal, a Mitzy, a dragoa de cobre na sede da Wizards, ainda é a mascote original. Resta ver se o Homem-Aranha e seus amigos se tornarão parte da família ou meros visitantes ilustres.